domingo, maio 24, 2009

A alma e o vento


A abertura de gavetas continua, embora a montagem de peças de mobiliário tenha abrandado um pouco.
Este pequeno caderno que folheio agora não tem uma única folha datada, mas pelos textos posso situar este algures entre 1993 e 1994 (xiiiii, sou mesmo muito antiga!). Escrever sempre me aliviou a alma e permitia-me viver situações que nunca poderia viver na realidade; a escrita transportava-me para outro mundo onde as coisas corriam sempre como eu queria. E sem dúvida que estes cadernos eram os meus melhores amigos, não desfazendo dos meus amigos de carne e osso, que também eram muito muito bons!

"Acho que sempre o amei. Agora tenho essa sensação. Desde pequenos que nos conhecemos e talvez estivesse destinado que nós nos uníssemos. A minha alma repousa, inquieta, completamente absorta em pensamentos estranhos. Mas em dias de vento, a minha alma acorda e liberta-se. Rodopia com ele, despenteia árvores, entranha-se no corpo de alguém e retira sabedoria. Quando o vento pára, ela volta a mim e utilizo a sabedoria que ela retirou.
Olho para ele de maneiras diferentes, como se fosse cada bocadinho das pessosas que a minha alma visitou a olhá-lo. Isso ajuda-me a compreendê-lo de muita maneiras. Mas continuo a não entendê-lo de outras.
Será que a alma dele não se liberta em dias de vento?
Um dia gostava que a minha alma o visitasse num dia de vento. Não saberia de imediato que fora a ele que visitara mas aconteceriam coisas que eu, mais tarde, compreenderia. Tento imaginar o que iria encontrar na alma dele. Bastante sofrimento, acho... Talvez, num dia de vento..."

Realmente é muito difícil tentar compreender um adolescente uma vez que, por definição, um adolescente não é para compreender. Mas eu não desisti, foram anos a tentar. Não consegui, mas a minha consciência ficou tranquila: ao menos tentei.

Ainda bem que não queimei os cadernos na lareira da minha casa...


(imagem: Alma e o Vento- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 30x40cm, coleção Taís Cortez, São Paulo, Brasil)

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