segunda-feira, dezembro 31, 2018

Metanóia

"Metanoia (n.): the journey of changing one's mind, heart, self, or way of life."

O final do ano é sempre altura de balanço. Olhamos para o ciclo de 365 dias que agora se encerra e tentamos dar um sentido a tudo o que se passou.
Para mim, 2018 começou de uma maneira horrível. Despedaçada, de coração partido, completamente perdida de mim; não sabia quem era, porque se aquilo que estava a acontecer na minha vida era minha co-criação, eu não podia saber quem era, porque eu nunca criaria uma situação daquelas. 
Comecei o ano a não fazer uma viagem, que é das coisas que mais gosto de fazer. Tendo o bilhete comprado e na minha mão, porque é que não fui? Foi a minha primeira luta. Passei meses a culpar-me, se calhar não tinha tentado o suficiente, se calhar tinha sido precipitada em não ir. Enquanto as semanas passavam eu descia cada vez mais fundo, estava cada vez mais triste, cada vez mais zangada comigo. O bom de bater no fundo é que o único caminho possível é para cima. Muitos dias e terapias depois, consegui aceitar que foi a melhor decisão, a única possível, aquela que o meu amor próprio me permitiu tomar. Foi uma questão de sobrevivência emocional. Foi a aplicação da frase "Vai onde és celebrada, não onde és tolerada." Eu não fui porque seria apenas tolerada, não celebrada. Sem saber, na altura, foi a minha primeira vitória.
Aos poucos fui aceitando que a pessoa que eu achava que era "a" pessoa afinal não tinha vindo para ficar. Percebi que tínhamos as mesmas feridas e que o nosso encontro me fez tomar contacto com elas. Percebi que ele veio para levantar o tapete do meu subconsciente, debaixo do qual eu escondi emoções e sentimentos ao longo de anos. Tive que me confrontar com as partes menos bonitas de mim, com a carência, com o medo, com o abandono, com a rejeição. Com a falta de auto-estima que me fazia acreditar que migalhas de afecto eram suficientes para mim e que não tinha o direito de pedir mais nada. É falta de educação pedir aquilo que se quer ou precisa, a outra pessoa dá aquilo que tem, aquilo que pode ou aquilo que quer dar. Esta foi a minha segunda vitória. Aprendi que posso e devo pedir aquilo que quero ("não sejas meiga a pedir!"), principalmente quando sei que mereço. E aprendi também que não tenho que aceitar tudo o que me dão, se aquilo que têm para me dar são migalhas. "A gente tem é de se amar muito, se respeitar muito para chegar para o outro e dizer: se é isso que você me oferece, agradeço mas recuso. Não quero esse pouco. Não quero essas partes. Não quero a sua metade. Vem inteiro, completo. Ou não vem.". Lição aprendida.
Percebi, a determinada altura, que estava demasiado apegada a toda a história que tinha vivido no final de 2017. Já não sabia se era amor ou apego, mas continuava a sentir falta dele, a sofrer com a ausência, a distância e o silêncio. Mas sabia que tinha que começar a fazer o luto. Nunca fui boa a fazer o luto. Não o fiz com a minha mãe, preferi alhear-me do que se estava a passar à minha volta, vi tudo como se fosse um filme. Agora confrontava-me com um novo luto, desta vez por uma pessoa viva. E desta vez não podia fugir, sob pena de ficar tão deprimida que talvez nunca mais voltasse a amar. Começou o duro trabalho do desapego. Eu não queria desapegar, não queria deixar morrer aquela história que até foi bonita mas que já não nos fazia felizes. Tive que aceitar que não era suposto ele ficar, que a missão dele comigo estava cumprida. Foi a luta mais dura. Deixar partir quem se ama, admitir que as recordações doem e que já fazem mais mal que bem. Tive que aceitar os sentimentos de raiva, de ódio, de injustiça que reprimi no final de 2017. Tive que aceitar que nem tudo são "unicórnios e arco-íris". Mais uma vez, tinha reprimido emoções e sentimentos. Desta vez não podia deixar passar 30 anos para os viver e libertar. Aprendi que posso ser um ser humano espiritual, empático, amável, bondoso e generoso, e ainda assim mandar as pessoas à merda quando é necessário.
Fui trabalhando as minhas feridas, fui começando a amar-me, a amar essas partes menos bonitas de mim que são isso mesmo, partes de mim. Aceitei-me por completo mas ainda não me tinha perdoado por tudo o que tinha feito "errado". Veio outra fase da luta, o perdão.
O perdão é um processo difícil. Já escrevi  acerca disso (https://betweendarknessandwonder.blogspot.com/2018/04/e-preciso-que-nos-perdoemos.html); não é fácil, principalmente perdoarmos-nos a nós mesmos. Somos demasiado críticos connosco. Se um amigo nosso viesse ter connosco com um problema em tudo semelhante ao nosso e nós falássemos com ele da mesma forma como às vezes falamos connosco, tenho para mim que não teríamos muitos amigos. Certamente eu não teria. A ele talvez já o tenha perdoado. Sinto compaixão pelo processo dele mas há dias em que ainda o responsabilizo por tudo. Não sinto raiva nem lhe tenho rancor. Isso já não sinto, pelo menos não o sinto a maior parte do tempo. Aprendi que "perdoar não significa concordar. Perdoar significa livrar-nos de um peso que não merecemos carregar".
Em relação a mim é que o processo está mais demorado. Ainda dou comigo a pensar no que devia e podia ter feito diferente. Ainda dou comigo a pensar que me abandonei quando tinha a responsabilidade de tomar conta de mim. Essa é a minha responsabilidade, e eu sinto que falhei comigo. Mas já tomei consciência que fiz o melhor que sabia com as ferramentas que tinha na altura. Que lutei enquanto pude e enquanto senti que devia lutar. Se não o tivesse feito hoje não conseguiria viver comigo. Disse-lhe que o amava, já tarde mas disse. Se hoje tenho consciência de que podia ter feito "melhor" é porque passei por todo este processo doloroso mas necessário.
No meio de todas estas tomadas de consciência, no meio de toda esta dor, eu sentia que tinha que sair da minha zona de conforto. Eu tinha que me desafiar. A minha vida não podia ser só isto. Foi quando decidi ir viajar. Sozinha. De férias. Só eu e eu durante uma semana. Não vou negar que tive medo. Borrei-me de medo. Tive medo de me aborrecer, de não gostar da minha companhia. Fiz mil e um filmes de terror, entre quedas de aviões a assaltos com direito a facadas. Mas fui. Arrisquei, como sempre faço. Carpe diem. Não consigo descrever a sensação que tive quando entrei no avião em Lisboa mas nunca me vou esquecer. Sentia-me invencível, empoderada, orgulhosa de mim. Em 6 meses foi a primeira vez que me senti verdadeiramente eu, sem dor nem tristeza nem injustiça. Desafiei-me e enfrentei os meus medos. Tive noção que era uma sortuda. Uma rapariga cheia de sorte por ter encontrado um rapaz que me mostrou que o caminho não era por onde eu estava a ir, que precisava de me conhecer e de me amar, que precisava aceitar os meus monstros e sentir as minhas emoções (boas e más), não racionalizá-las. Uma rapariga cheia de sorte por ter dinheiro para fazer aquela viagem. Uma rapariga cheia de sorte por ter saúde para a poder fazer. E lá fui, rumo a Roma. Como já disse noutro post (https://betweendarknessandwonder.blogspot.com/2018/10/you-never-know-how-strong-you-are-until.html), encontrei o amor em Roma. O amor próprio. Foi uma viagem maravilhosa de auto-descoberta, de saída da zona de conforto, de aprendizagem em estar sozinha fora dela. Nessa viagem fiz as pazes comigo. Abracei-me, dei uma palmadinha no meu ombro e disse "Boa, miúda! Conseguiste!". 
Vim diferente dessa viagem. Foi a melhor coisa que já fiz. Foi mais uma vitória para mim. Comecei a integrar todas as aprendizagens e tomadas de consciência que já tinha feito. Deixei de ser tão crítica comigo. Passei a aceitar os dias em que as emoções menos boas me fazem uma visita. Sirvo-lhes um chá, faço um pouco de sala e espero que se vão embora. Comecei a fazer o luto pela minha mãe. Chorei o que devia ter chorado no dia que ela partiu, senti verdadeiramente a falta dela como devia ter sentido durante a minha adolescência, não filtrei nem reprimi emoções. Tornei-me mais equilibrada e serena. Aceito melhor as coisas. Sinto as emoções, não as racionalizo. Não faço fretes. Digo "não". Respeito o meu espaço e a minha vontade. Percebo que só assim consigo curar-me e não projectar nos outros as minha emoções mal resolvidas.
No meio deste processo bem-sucedido ainda havia a questão da viagem não feita do início do ano. Essa pedra no sapato ainda lá estava. Percebi que ainda tinha que me perdoar por não ter ido. E para fechar esse ciclo, fiz a viagem. Fui até Bruxelas. A viagem foi programada para ser a solo mas acabei por ter a companhia de uma amiga. Fizemos um tour pelo norte da Bélgica e fiquei apaixonada pelo país. Percebi que alguma coisa de bom o rapaz que me empurrou para este processo todo tinha feito para merecer estar a viver num sítio tão bonito. Lembrei-me muito dele mas sem raiva nem rancor. Foi um bom teste. E encerrei o ciclo.

2018 foi um ano duro. Levei muitas bofetadas, caí imensas vezes, mergulhei fundo dentro de mim, confrontei-me com as minhas sombras. Foi doloroso e difícil mas tudo isso fez com que me resgatasse, com que olhasse para mim com outros olhos, com que percebesse o meu valor e o quanto eu mereço. Fez-me aprender a falar comigo com mais doçura, mais tolerância e mais paciência. Porque cada um leva o seu tempo a processar aquilo que nos acontece.
2018 foi um ano de renascimento para mim. Aprendi a amar-me, a respeitar-me, a tomar responsabilidade pela minha vida. Aprendi a aceitar as minhas emoções, a senti-las sem me apegar a elas. Aprendi que mereço tão mais do que me têm oferecido e que nunca aceitarei menos do que isso. Aprendi quem são os meus companheiros de vida pois é bem verdade que é na noite mais escura que conseguimos ver onde estão as estrelas. Percebi o meu valor, as minhas qualidades e os meus defeitos.
2018 foi um ano de gratidão. Sofri muito, chorei muito, desesperei muito mas também aprendi muito. Ninguém gosta da dor e do sofrimento, eu também os teria dispensado, mas percebo que foram os agentes de mudança. 2018 foi o ano em que finalmente me reconheci, me resgatei, me aceitei e me permiti fazer este processo. Sou grata por todos os que cruzaram o meu caminho e me "empurraram" na direcção certa. 
2018 foi também o ano em que fiz a minha primeira viagem sozinha. O ano em que enfrentei o meu medo de voar, de morrer, de me acontecer "alguma coisa má". Foi um ano de extremos, da tristeza e desilusão profundas ao êxtase e à esperança. Ainda bem que me dispus a fazer esse caminho. 2018 foi o ano da minha metanóia. 

segunda-feira, dezembro 03, 2018

"Last night a movie saved my life"

Hoje apercebi-me o poder que a música tem sobre mim e as minhas emoções.
Fui ao cinema ver "Bohemian Rapsody", acompanhada de um belo cartucho de pipocas. O filme em si não é nada de especial. O elenco foi bem escolhido, os actores são muito parecidos com os membros dos Queen mas em termos de representação e encadeamento da história não achei brilhante. Normalmente isso acontece quando se quer "encafuar" em 2 horas e pouco a história da vida de uma banda, parece que faltam bocados e o encadeamento transforma-se em retalhos cosidos uns aos outros de forma um pouco forçada.

À parte da análise racional, emocionalmente o filme maravilhou-me. Fez brotar em mim emoções de uma forma tão brutal que passei o filme entre o riso, as lágrimas e a pele de galinha. Mais de 2 horas nisto, saí de lá esgotada. 
Ora se o argumento do filme e a forma como foi filmado, assim como a performance dos actores, não foram nada de especial, a história por detrás de algumas das mais emblemáticas músicas deste grupo que ouvi na minha adolescência até à exaustão levaram-me a uma espécie de catarse. Dei comigo a ter vontade de bater palmas cada vez que acabava uma música, cantei baixinho (a minha vontade era cantar a plenos pulmões), emocionei-me genuinamente com a história daquele "paqui" que arrumava malas nos carrinhos do aeroporto de Heathrow e que chegou a vocalista de uma das bandas britânicas com mais sucesso do Mundo. Muitas vezes as lágrimas não me deixaram ler as legendas em condições. Desde a história de amor por trás de "Love of My Life" até à génese de "We Will Rock You", tudo contribuiu para um libertar de emoções que não sei bem de onde vieram. 
Só sei que me emocionei. Que me apercebi o quão longe tenho andado de mim, do meu gosto pela música e o quanto ela me faz falta para equilibrar e libertar emoções, boas e más, que muitas vezes insisto em reprimir. Que senti saudades de cantar a plenos pulmões, de ouvir música de olhos fechados e com os headphones nos ouvidos para sentir melhor cada nota e as emoções que me provocam. Senti saudades de me identificar com a letra das músicas, como se tivessem sido escritas para mim, como se me compreendessem. Senti saudades da cumplicidade que sinto com algumas músicas.
Com isto tudo percebi que muitos dos sentimentos que andei a reprimir (ou a não saber lidar com eles) poderiam ter ser libertados se eu tivesse voltado a ouvir música como fazia até há uns dois anos atrás. Realmente, a música é terapêutica. Não sei como é para as outras pessoas, mas para mim tem um efeito de catarse, de libertação, de revolta nas entranhas que me faz sentir mais leve. E eu estava tão esquecida disso, tão esquecida de mim.
Como cantaram (lá está!) os Indeep, "last night a DJ saved my life". Neste caso, foi um filme.