terça-feira, outubro 30, 2018

Primeira viagem a solo (ou como conhecer-se a si mesmo em apenas 7 dias)

"You never know how strong you are until being strong is the only choice you have." A frase pode parecer "clichê" mas realmente uma pessoa só sabe o quanto é forte quando ser forte é a única escolha possível. É tão "clichê" que até comecei um dos textos publicados neste blogue com esta mesma frase.
Ultimamente esta "verdade absoluta" tem sido quase um mantra para mim, talvez porque tenho sido confrontada com a necessidade de escolher entre "ser forte", "ser forte" ou "ser forte". No meio da tormenta emocional que estão a ser estes quase 365 dias, esta frase começou a fazer ainda mais sentido. O sofrimento pode ser mesmo uma forma de nos conhecermos e de crescermos, de sairmos da nossa zona de conforto e de percebermos que somos capazes de muito mais do que julgamos.
Sempre achei que era um exagero a expressão "sofrer por amor" ou "coração partido"; não que nunca tivesse tido uma desilusão amorosa mas sempre consegui ultrapassar a coisa com relativa facilidade. Até agora. Agora compreendi o que é ter o "coração partido". O sofrimento por que passei fez-me mergulhar bem fundo dentro de mim, tinha que perceber porque estava a reagir de maneira tão dramática a uma situação que, infelizmente, não era nova para mim. Nesta viagem fui obrigada a confrontar-me com o meu lado-sombra. Nunca quis muito olhar para esse meu lado menos bom, embora sempre tenha tido noção que estava ali e que, mais cedo ou mais tarde, teria que me confrontar com ele. Fui resgatando partes de mim que estavam escondidas, que não eram nada bonitas, mas que fazem parte de quem eu sou. Foi preciso que eu me aceitasse totalmente para poder sair da espiral de sofrimento em que me encontrava. E o que fazer com essas partes de mim que eu sabia que eram minhas mas que eu não reconhecia? Tinha que aprender a viver com elas, tinha que as integrar no meu novo "eu".
Neste processo de descoberta pessoal, que foi (e está a ser) demorado e com muitos altos e baixos, surgiu a necessidade de enfrentar os meus (muitos) medos, de sair da minha zona de conforto. Era feia, mas eu conhecia-a. Era-me "desconfortável" mas familiar. Percebi que precisava de aprender a estar sozinha FORA da minha zona de conforto, dentro dela já tinha aprendido a estar.
E assim, de repente, resolvi fazer uma viagem sozinha e ficar alojada num hostel. Ia conseguir "matar" vários medos de uma cajadada só: medo de andar de avião, medo de ter uma crise de ansiedade sem ninguém conhecido por perto para me ajudar, medo de dormir num quarto com estranhos, medo de andar sozinha numa cidade onde ninguém me conhece.
Foi curioso como me senti logo empoderada só de pensar em fazê-lo. Marquei os voos e iniciei a busca pelo hostel. Este frenesim do planeamento da viagem quase me fez esquecer o meu coração partido mas, de vez em quando, lá vinham a saudade, a tristeza, a melancolia. Sentavam-se ao meu lado e ali ficavam, enquanto eu pesquisava freneticamente alojamentos e "free walking tours" na internet. Esperavam pacientemente que eu acabasse a minha pesquisa. E quando eu desligava o computador, elas abraçavam-me. E eu começava a duvidar que fosse capaz de fazer aquela viagem. Quis auto-sabotar este processo muitas vezes. Ficava cheia de dúvidas, os medos assaltavam-me novamente, "e se te acontece alguma coisa? e se precisas de ajuda? e se te sentes mal e tens que ir para um hospital?". Dizia para mim mesma que a viagem até tinha sido barata e que o hostel só era pago quando lá chegasse, por isso podia desistir a qualquer momento. Mas não desisti. Nunca saberia viver comigo se tivesse desistido. Eu sou assim, não desisto à primeira. E muitas vezes é isso que me traz dissabores.

Quando entrei no comboio na véspera da viagem ia cheia de medo. Mas não vacilei, não podia desistir, não quando já tinha chegado tão longe. Foi uma noite muito mal dormida, a ida para o aeroporto foi mesmo a "queimar" e quando vi a quantidade de gente que estava na fila para o controlo de segurança pensei "Não vou conseguir embarcar!". E nesse momento senti medo de ficar em terra. Senti medo de nunca mais conseguir sair da minha zona de conforto. Eu tinha que fazer aquela viagem, eu precisava de ir a Itália, era o último passo para o meu resgate enquanto pessoa. E quando passei o controlo de segurança e cheguei à porta de embarque respirei de alívio. Nunca pensei que fosse respirar de alívio por chegar a tempo de entrar num avião! Enquanto esperava na fila para embarcar, sozinha com a minha bagagem, no meio daquela gente toda que falava animadamente em italiano, não consegui parar de sorrir; eu ia mesmo fazer aquilo, ia mesmo viajar sozinha para um país onde não conhecia ninguém. Senti-me invencível. Quase como o Leonardo Di Caprio no "Titanic": "I'm the queen of the world!"
Quanto aterrei no aeroporto de Ciampino não senti um pingo de medo, solidão ou dúvida; sabia que tinha feito a coisa certa, que ia ser a melhor coisa que já tinha feito por mim. Estava oficialmente fora da minha zona de conforto. Entrei no autocarro para Roma cheia de confiança e atirei-me à cidade como se fosse minha. Adorei a experiência no hostel; embora não tenha feito amizades para a vida, falei com imensas pessoas interessantes.
Passeei pela cidade sozinha, fiz "tours" a pé e de bicicleta com outros turistas, comi pizza, risotto e gelato, bebi cappucino no Caffé Sant'Eustachio e um Aperol Spritz ao fim da tarde. Fui ao Vaticano (mas não vi o Papa), ao Coliseu, subi ao colle Aventino e vi o pôr do sol sobre a cidade. Atirei uma moeda na Fontana di Trevi, dizem que quem o faz encontra o amor em Roma. Eu encontrei. O amor próprio. Descobri que sou uma excelente companhia e nunca mais vou deixar de ir a algum lado por não ter quem me acompanhe. Foi libertador, empoderador e a melhor experiência que já tive na minha vida. Voltei revigorada, de pazes feitas comigo, com todas as partes de mim integradas. Porque mesmo que não goste muito delas, fazem parte de quem eu sou.