sábado, novembro 25, 2006

O Adamastor


Estou a escrever este post deitada na minha cama! Altamente espectacular! Viva o wireless!
Hoje choveu que Deus mandou; parecia uma versão moderna do Dilúvio. Não que eu saiba como foi o Dilúvio original, ainda não andava por cá nessa altura, ou se andava, não me lembro... Bem, de qualquer maneira, choveu muito. E "ventou"(será que esta palavra existe?) também.
Eu gosto dos dias de chuva, principalmente quando não tenho que sair de casa. Gosto de ouvir a chuva cair no telhado, as gotas de água a bater nos vidros da janela e a escorrer lentamente, deixando um carreiro, como se fossem lágrimas. Só não gosto do vento. Além de me irritar, assusta-me, o barulho do vento a passar nas frinchas das janelas e das portas, parece que anda um monstro lá fora, a rondar, a espreitar, assim tipo o Adamastor n'"A Mensagem" de Fernando Pessoa:

"O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!» "

Nunca gostei muito de Fernando Pessoa mas lembro-me sempre do "Mar Português" quando o vento sopra com força, talvez porque tive uma professora de Português no liceu que tinha o dom da palavra, e que descrevia tão bem as situações que nós quase conseguíamos visualizá-las.
Quando está vento, imagino o Mostrengo, leia-se Adamastor, com o sobrolho franzido, a rondar a minha casa, dando toques nas janelas e nas portas, abanando as àrvores. E sinto aquele "medo" bom, que me faz puxar o edredon até às orelhas e fechar os olhos com força, dando graças a Deus por ter uma casa e não estar a dormir na rua.
Começou a chover outra vez. O Adamastor deve estar a chegar...