segunda-feira, agosto 11, 2014

Eu não quero morrer devagar



"Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não arrisca vestir uma cor nova e não fala com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o escuro ao invés do claro e os pingos nos "is" a um redemoinho de emoções, exactamente a que resgata o brilho nos olhos, o sorriso nos lábios e coração aos tropeços.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto, para ir atrás de um sonho.
Morre lentamente quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, ouvir conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte, ou da chuva incessante.
Morre lentamente quem destrói seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, nunca pergunta sobre um assunto que desconhece e nem responde quando lhe perguntam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade."

Pablo Neruda 


Não quero evitar paixões, não quero viver no escuro; quero (continuar a) sentir um redemoinho de emoções que me ponha um brilho nos olhos, um sorriso nos lábios, o coração aos saltos e as borboletas alvoraçadas na barriga.
Em tempos, virei a mesa no trabalho por estar infeliz, arrisquei o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, mas a hora (ainda) não era a certa.
Quero viajar (mais), quero ler (muito), quero ouvir música (sempre), quero rir de mim e para mim, todos os dias. Quero saber mais sobre coisas que não sei e que nunca vi, quero aprender com quem sabe porque nos livros não se aprende tudo. Quero partilhar o que aprendi e deixar um pouco de mim em quem comigo aprende. Quero evitar a morte em doses suaves, não quero esquecer que o esforço de estar vivo não se resume ao esforço de respirar; a vida é aquilo que fazemos dela e quanto menor é o esforço para a viver, menor é o retorno.



Eu não quero morrer devagar.  


quinta-feira, maio 15, 2014

A distância e o silêncio

Não te iludas com promessas que nunca te fizeram. Não te sintas desiludido com atitudes que nunca esperavas de pessoas que mal conheces. Não te sintas amargurado por (ainda) não teres encontrado a metade que te falta.
Recorda sempre a primeira vez que se viram, a primeira vez que se olharam nos olhos, a primeira vez que se tocaram.
Nunca te esqueças dos milhares de borboletas que esvoaçaram nas tuas entranhas quando percebeste o que sentias, das noites que não conseguiste dormir porque alguém te ocupava a mente, do sorriso parvo que te iluminou os dias sempre que a sua imagem surgiu na tua cabeça.
Não deixes que o silêncio e a distância apaguem a felicidade que sentes por saberes que esse alguém existe, e por saberes que esse alguém também sabe que tu existes.
Acredita que o teu conto de fadas vai acontecer, mesmo que não seja com esse alguém, mesmo que ainda não tenha começado, mesmo que tudo o que aconteceu até este momento não faça parte da história mas sim do prefácio.
Lembra-te sempre do sorriso e do olhar desse alguém, do calor que te espalharam no peito, do quanto te preencheram e te mudaram para melhor.
Enquanto fores capaz de fazer tudo isto continuarás a ser feliz, mesmo com a distância e o silêncio.

quarta-feira, abril 16, 2014

Permanência

Ninguém devia entrar assim na vida de alguém e não poder ficar. Quem entra na vida de alguém e a transforma de tal maneira que a pessoa já não se reconhece a si própria devia permanecer para sempre. É como se assinasse um contrato. Como se aquela vida que transformou fosse uma responsabilidade sua.
Quando alguém entra na vida de outra pessoa como se fosse um amigo de longa data mesmo que seja a primeira vez que se encontram, devia permanecer para sempre. Quando duas pessoas se sentem tão bem na presença uma da outra, quando parece que se conhecem há anos quando apenas se conhecem há dias, quando o tempo passa sem que se dê por isso sempre que estão juntas, deviam permanecer para sempre.
Tu devias permanecer para sempre na minha vida. Aliás, tu já estás na minha vida. Porque já me transformaste, porque já assinaste o contrato. A partir daquele momento (que eu nem sei bem precisar qual foi) em que entraste, em que foste entrando, devagarinho, assumiste, mesmo sem querer, a responsabilidade da minha transformação. Talvez não possas ficar, mas o facto é que já cá estás. Mesmo que um dia deixes de estar, irás sempre permanecer.

sábado, março 15, 2014

Borboletas II

O facto de nos fixarmos numa coisa e tudo à nossa volta ficar em câmara lenta traz um inconveniente: perdemos a noção da perspectiva e o que nos rodeia, mesmo em câmara lenta, perde a nitidez. E o que está a passar ao nosso lado, lentamente, pode ser algo espectacular que nos vai escapar se não formos capazes de nos desligar da nossa fixação e não nos fixarmos no que nos rodeia.
A "platonicidade" pode ser engraçada e fazer-nos sentir a flutuar mas não se compara, nem nunca se comparará, ao sentimento de reciprocidade. A "platonicidade" pode fazer-nos sentir que tudo à nossa volta está em câmara lenta mas a reciprocidade faz desaparecer o que nos rodeia, tira-nos verdadeiramente o sono e o apetite, põe-nos um sorriso parvo e constante nos lábios, faz-nos sentir leves. 
Existe a probabilidade de a reciprocidade ser platónica mas essa dúvida, apesar de ser incómoda, traz algum encanto à situação. A dúvida sobre a reciprocidade pode baralhar-nos, levar-nos a questionar coisas que, por vezes, são evidentes mas que não conseguimos aceitar como tal porque, precisamente, temos dúvidas. Revemos a situação milhares de vezes, analisamo-la de diversos ângulos, e mesmo quando as evidências apontam para a reciprocidade, pomos mais uns quantos "mas" pelo meio e continuamos na dúvida.

Mas mesmo com a dúvida pelo meio, a reciprocidade é mil vezes melhor que a "platonicidade". Porque quando dois olhares se encontram e se demoram um no outro, uma e outra e outra vez, tudo à nossa volta não fica em câmara lenta; simplesmente, tudo o que está fora dessa troca de olhares deixa de existir; os sons não ficam abafados, os sons desaparecem e só conseguimos ouvir o esvoaçar de milhares de borboletas nas nossas entranhas. É nesse momento que a dúvida surge, "é casual?, aconteceu?, está alguma coisa interessante atrás de mim?". E quando os olhares se encontram de novo a dúvida dissipa-se, mesmo que temporariamente. E as borboletas nas entranhas ficam ainda mais alvoraçadas. 
A reciprocidade, mesmo que duvidosa, não faz falhar batimentos cardíacos nem torna o ar rarefeito; faz sim o coração bater desalmadamente e ritmadamente, faz-nos respirar fundo e dá-nos vontade de rir, aquele riso nervoso e miudinho, sem qualquer motivo, mas que nos faz sentir tão bem.
A reciprocidade adormece e acorda connosco; faz-nos reviver mil vezes a situação e mil vezes sentimos as borboletas esvoaçar, o bater ritmado do coração e uma vontade de rir difícil de controlar.
A reciprocidade tolda-nos um pouco o discernimento, embota a escrita, torna o pensamento menos fluido porque a nossa mente está presa naquele momento, naquele preciso momento em que tudo o que está fora dos dois olhares que se encontram desaparece. Faz-nos ficar a olhar para o vazio, com um sorriso nos lábios e um calorzinho bom a espalhar-se dentro do nosso peito. 
Mesmo com dúvida, a reciprocidade dá-nos a certeza de que sabem que nós existimos, dá-nos a certeza que nós sabemos que existimos. Faz-nos sentir vivos, alvoraçados, como se nós próprios fôssemos borboletas nas entranhas de alguém. 




domingo, março 09, 2014

Borboletas

Odeio a forma como me fazes sentir. Odiar talvez seja um verbo muito forte; reformulo - tenho pena que me faças sentir da forma como me sinto quando me lembro que existes. Não porque não goste de ti; antes pelo contrário, tenho pena que me faças sentir da forma como me sinto quando me lembro que existes precisamente porque gosto de ti.
Não posso dizer que te amo porque nem sequer te conheço. Talvez esteja apaixonada porque quando alguma coisa me lembra que tu existes parece que me falta o chão debaixo dos pés, que o ar fica rarefeito e que, por momentos, o meu coração falha um batimento. Mas a paixão é algo mais forte do que a forma como eu me sinto quando me lembro que tu existes. E, estando apaixonada, não seria por ti, mas sim pela imagem que eu construí de ti, que nem sei se é verdadeira. Quando me lembro que existes sinto-me arrebatada. É isso, estou arrebatada por ti.
Quando alguma coisa me lembra que tu existes sinto-me arrebatada e com pena. Com pena de não ter sabido da tua existência noutro tempo, noutro contexto. Com pena de termos tanto em comum e nem nos conhecermos. Com pena que tenhas um papel tão importante na minha vida e nunca o venhas a saber.
Tenho pena que, quando te vejo, tudo à minha volta pareça ficar em câmara lenta, que os sons fiquem abafados e que os meus olhos não consigam fazer mais nada a não ser seguir-te. E depois tu desapareces e tudo volta ao normal excepto eu. Eu fico arrebatada, com pena de não te conhecer. Com pena de quase ser tua e tu nem saberes quem eu sou.
Tenho pena de não perceber como podes arrebatar-me desta forma, há tanto tempo, sempre com a mesma intensidade; pensei que, com o tempo, a força do arrebatamento fosse diminuindo mas enganei-me. Posso passar dias sem me lembrar que existes mas sempre que me lembro fico tão arrebatada como da primeira vez que me arrebataste. Nesse dia, os sons não ficaram abafados, a tua voz era a única coisa que se ouvia e, nas minhas entranhas, milhares de borboletas esvoaçavam e eu senti-me tonta, nervosa, com vontade de rir mas sem o poder fazer. Nessa noite quase não dormi, as borboletas não deixaram. Ultimamente, as borboletas estão mais calmas ou então já me habituei ao seu esvoaçar e não me parece tão forte. Agora o arrebatamento, esse continua igual.
Toda a pena que sinto reside na "platonicidade" deste arrebatamento. Porque sinto que se tudo isto não fosse platónico nos íamos dar muito bem. Se eu te conhecesse e tu me conhecesses, talvez até fossemos felizes para sempre, quem sabe.
Tenho esperança que um dia as borboletas se fartem das minhas entranhas e esvoacem para longe; que, quando me lembrar que tu existes, não me falte o ar ou um batimento cardíaco; que quando te vir tudo à volta não fique em câmara lenta e que os meus olhos consigam seguir outra coisa que não tu. Não quer dizer que deixei de gostar de ti. Quer dizer que deixei de ser arrebatada por ti.