segunda-feira, dezembro 31, 2018

Metanóia

"Metanoia (n.): the journey of changing one's mind, heart, self, or way of life."

O final do ano é sempre altura de balanço. Olhamos para o ciclo de 365 dias que agora se encerra e tentamos dar um sentido a tudo o que se passou.
Para mim, 2018 começou de uma maneira horrível. Despedaçada, de coração partido, completamente perdida de mim; não sabia quem era, porque se aquilo que estava a acontecer na minha vida era minha co-criação, eu não podia saber quem era, porque eu nunca criaria uma situação daquelas. 
Comecei o ano a não fazer uma viagem, que é das coisas que mais gosto de fazer. Tendo o bilhete comprado e na minha mão, porque é que não fui? Foi a minha primeira luta. Passei meses a culpar-me, se calhar não tinha tentado o suficiente, se calhar tinha sido precipitada em não ir. Enquanto as semanas passavam eu descia cada vez mais fundo, estava cada vez mais triste, cada vez mais zangada comigo. O bom de bater no fundo é que o único caminho possível é para cima. Muitos dias e terapias depois, consegui aceitar que foi a melhor decisão, a única possível, aquela que o meu amor próprio me permitiu tomar. Foi uma questão de sobrevivência emocional. Foi a aplicação da frase "Vai onde és celebrada, não onde és tolerada." Eu não fui porque seria apenas tolerada, não celebrada. Sem saber, na altura, foi a minha primeira vitória.
Aos poucos fui aceitando que a pessoa que eu achava que era "a" pessoa afinal não tinha vindo para ficar. Percebi que tínhamos as mesmas feridas e que o nosso encontro me fez tomar contacto com elas. Percebi que ele veio para levantar o tapete do meu subconsciente, debaixo do qual eu escondi emoções e sentimentos ao longo de anos. Tive que me confrontar com as partes menos bonitas de mim, com a carência, com o medo, com o abandono, com a rejeição. Com a falta de auto-estima que me fazia acreditar que migalhas de afecto eram suficientes para mim e que não tinha o direito de pedir mais nada. É falta de educação pedir aquilo que se quer ou precisa, a outra pessoa dá aquilo que tem, aquilo que pode ou aquilo que quer dar. Esta foi a minha segunda vitória. Aprendi que posso e devo pedir aquilo que quero ("não sejas meiga a pedir!"), principalmente quando sei que mereço. E aprendi também que não tenho que aceitar tudo o que me dão, se aquilo que têm para me dar são migalhas. "A gente tem é de se amar muito, se respeitar muito para chegar para o outro e dizer: se é isso que você me oferece, agradeço mas recuso. Não quero esse pouco. Não quero essas partes. Não quero a sua metade. Vem inteiro, completo. Ou não vem.". Lição aprendida.
Percebi, a determinada altura, que estava demasiado apegada a toda a história que tinha vivido no final de 2017. Já não sabia se era amor ou apego, mas continuava a sentir falta dele, a sofrer com a ausência, a distância e o silêncio. Mas sabia que tinha que começar a fazer o luto. Nunca fui boa a fazer o luto. Não o fiz com a minha mãe, preferi alhear-me do que se estava a passar à minha volta, vi tudo como se fosse um filme. Agora confrontava-me com um novo luto, desta vez por uma pessoa viva. E desta vez não podia fugir, sob pena de ficar tão deprimida que talvez nunca mais voltasse a amar. Começou o duro trabalho do desapego. Eu não queria desapegar, não queria deixar morrer aquela história que até foi bonita mas que já não nos fazia felizes. Tive que aceitar que não era suposto ele ficar, que a missão dele comigo estava cumprida. Foi a luta mais dura. Deixar partir quem se ama, admitir que as recordações doem e que já fazem mais mal que bem. Tive que aceitar os sentimentos de raiva, de ódio, de injustiça que reprimi no final de 2017. Tive que aceitar que nem tudo são "unicórnios e arco-íris". Mais uma vez, tinha reprimido emoções e sentimentos. Desta vez não podia deixar passar 30 anos para os viver e libertar. Aprendi que posso ser um ser humano espiritual, empático, amável, bondoso e generoso, e ainda assim mandar as pessoas à merda quando é necessário.
Fui trabalhando as minhas feridas, fui começando a amar-me, a amar essas partes menos bonitas de mim que são isso mesmo, partes de mim. Aceitei-me por completo mas ainda não me tinha perdoado por tudo o que tinha feito "errado". Veio outra fase da luta, o perdão.
O perdão é um processo difícil. Já escrevi  acerca disso (https://betweendarknessandwonder.blogspot.com/2018/04/e-preciso-que-nos-perdoemos.html); não é fácil, principalmente perdoarmos-nos a nós mesmos. Somos demasiado críticos connosco. Se um amigo nosso viesse ter connosco com um problema em tudo semelhante ao nosso e nós falássemos com ele da mesma forma como às vezes falamos connosco, tenho para mim que não teríamos muitos amigos. Certamente eu não teria. A ele talvez já o tenha perdoado. Sinto compaixão pelo processo dele mas há dias em que ainda o responsabilizo por tudo. Não sinto raiva nem lhe tenho rancor. Isso já não sinto, pelo menos não o sinto a maior parte do tempo. Aprendi que "perdoar não significa concordar. Perdoar significa livrar-nos de um peso que não merecemos carregar".
Em relação a mim é que o processo está mais demorado. Ainda dou comigo a pensar no que devia e podia ter feito diferente. Ainda dou comigo a pensar que me abandonei quando tinha a responsabilidade de tomar conta de mim. Essa é a minha responsabilidade, e eu sinto que falhei comigo. Mas já tomei consciência que fiz o melhor que sabia com as ferramentas que tinha na altura. Que lutei enquanto pude e enquanto senti que devia lutar. Se não o tivesse feito hoje não conseguiria viver comigo. Disse-lhe que o amava, já tarde mas disse. Se hoje tenho consciência de que podia ter feito "melhor" é porque passei por todo este processo doloroso mas necessário.
No meio de todas estas tomadas de consciência, no meio de toda esta dor, eu sentia que tinha que sair da minha zona de conforto. Eu tinha que me desafiar. A minha vida não podia ser só isto. Foi quando decidi ir viajar. Sozinha. De férias. Só eu e eu durante uma semana. Não vou negar que tive medo. Borrei-me de medo. Tive medo de me aborrecer, de não gostar da minha companhia. Fiz mil e um filmes de terror, entre quedas de aviões a assaltos com direito a facadas. Mas fui. Arrisquei, como sempre faço. Carpe diem. Não consigo descrever a sensação que tive quando entrei no avião em Lisboa mas nunca me vou esquecer. Sentia-me invencível, empoderada, orgulhosa de mim. Em 6 meses foi a primeira vez que me senti verdadeiramente eu, sem dor nem tristeza nem injustiça. Desafiei-me e enfrentei os meus medos. Tive noção que era uma sortuda. Uma rapariga cheia de sorte por ter encontrado um rapaz que me mostrou que o caminho não era por onde eu estava a ir, que precisava de me conhecer e de me amar, que precisava aceitar os meus monstros e sentir as minhas emoções (boas e más), não racionalizá-las. Uma rapariga cheia de sorte por ter dinheiro para fazer aquela viagem. Uma rapariga cheia de sorte por ter saúde para a poder fazer. E lá fui, rumo a Roma. Como já disse noutro post (https://betweendarknessandwonder.blogspot.com/2018/10/you-never-know-how-strong-you-are-until.html), encontrei o amor em Roma. O amor próprio. Foi uma viagem maravilhosa de auto-descoberta, de saída da zona de conforto, de aprendizagem em estar sozinha fora dela. Nessa viagem fiz as pazes comigo. Abracei-me, dei uma palmadinha no meu ombro e disse "Boa, miúda! Conseguiste!". 
Vim diferente dessa viagem. Foi a melhor coisa que já fiz. Foi mais uma vitória para mim. Comecei a integrar todas as aprendizagens e tomadas de consciência que já tinha feito. Deixei de ser tão crítica comigo. Passei a aceitar os dias em que as emoções menos boas me fazem uma visita. Sirvo-lhes um chá, faço um pouco de sala e espero que se vão embora. Comecei a fazer o luto pela minha mãe. Chorei o que devia ter chorado no dia que ela partiu, senti verdadeiramente a falta dela como devia ter sentido durante a minha adolescência, não filtrei nem reprimi emoções. Tornei-me mais equilibrada e serena. Aceito melhor as coisas. Sinto as emoções, não as racionalizo. Não faço fretes. Digo "não". Respeito o meu espaço e a minha vontade. Percebo que só assim consigo curar-me e não projectar nos outros as minha emoções mal resolvidas.
No meio deste processo bem-sucedido ainda havia a questão da viagem não feita do início do ano. Essa pedra no sapato ainda lá estava. Percebi que ainda tinha que me perdoar por não ter ido. E para fechar esse ciclo, fiz a viagem. Fui até Bruxelas. A viagem foi programada para ser a solo mas acabei por ter a companhia de uma amiga. Fizemos um tour pelo norte da Bélgica e fiquei apaixonada pelo país. Percebi que alguma coisa de bom o rapaz que me empurrou para este processo todo tinha feito para merecer estar a viver num sítio tão bonito. Lembrei-me muito dele mas sem raiva nem rancor. Foi um bom teste. E encerrei o ciclo.

2018 foi um ano duro. Levei muitas bofetadas, caí imensas vezes, mergulhei fundo dentro de mim, confrontei-me com as minhas sombras. Foi doloroso e difícil mas tudo isso fez com que me resgatasse, com que olhasse para mim com outros olhos, com que percebesse o meu valor e o quanto eu mereço. Fez-me aprender a falar comigo com mais doçura, mais tolerância e mais paciência. Porque cada um leva o seu tempo a processar aquilo que nos acontece.
2018 foi um ano de renascimento para mim. Aprendi a amar-me, a respeitar-me, a tomar responsabilidade pela minha vida. Aprendi a aceitar as minhas emoções, a senti-las sem me apegar a elas. Aprendi que mereço tão mais do que me têm oferecido e que nunca aceitarei menos do que isso. Aprendi quem são os meus companheiros de vida pois é bem verdade que é na noite mais escura que conseguimos ver onde estão as estrelas. Percebi o meu valor, as minhas qualidades e os meus defeitos.
2018 foi um ano de gratidão. Sofri muito, chorei muito, desesperei muito mas também aprendi muito. Ninguém gosta da dor e do sofrimento, eu também os teria dispensado, mas percebo que foram os agentes de mudança. 2018 foi o ano em que finalmente me reconheci, me resgatei, me aceitei e me permiti fazer este processo. Sou grata por todos os que cruzaram o meu caminho e me "empurraram" na direcção certa. 
2018 foi também o ano em que fiz a minha primeira viagem sozinha. O ano em que enfrentei o meu medo de voar, de morrer, de me acontecer "alguma coisa má". Foi um ano de extremos, da tristeza e desilusão profundas ao êxtase e à esperança. Ainda bem que me dispus a fazer esse caminho. 2018 foi o ano da minha metanóia. 

segunda-feira, dezembro 03, 2018

"Last night a movie saved my life"

Hoje apercebi-me o poder que a música tem sobre mim e as minhas emoções.
Fui ao cinema ver "Bohemian Rapsody", acompanhada de um belo cartucho de pipocas. O filme em si não é nada de especial. O elenco foi bem escolhido, os actores são muito parecidos com os membros dos Queen mas em termos de representação e encadeamento da história não achei brilhante. Normalmente isso acontece quando se quer "encafuar" em 2 horas e pouco a história da vida de uma banda, parece que faltam bocados e o encadeamento transforma-se em retalhos cosidos uns aos outros de forma um pouco forçada.

À parte da análise racional, emocionalmente o filme maravilhou-me. Fez brotar em mim emoções de uma forma tão brutal que passei o filme entre o riso, as lágrimas e a pele de galinha. Mais de 2 horas nisto, saí de lá esgotada. 
Ora se o argumento do filme e a forma como foi filmado, assim como a performance dos actores, não foram nada de especial, a história por detrás de algumas das mais emblemáticas músicas deste grupo que ouvi na minha adolescência até à exaustão levaram-me a uma espécie de catarse. Dei comigo a ter vontade de bater palmas cada vez que acabava uma música, cantei baixinho (a minha vontade era cantar a plenos pulmões), emocionei-me genuinamente com a história daquele "paqui" que arrumava malas nos carrinhos do aeroporto de Heathrow e que chegou a vocalista de uma das bandas britânicas com mais sucesso do Mundo. Muitas vezes as lágrimas não me deixaram ler as legendas em condições. Desde a história de amor por trás de "Love of My Life" até à génese de "We Will Rock You", tudo contribuiu para um libertar de emoções que não sei bem de onde vieram. 
Só sei que me emocionei. Que me apercebi o quão longe tenho andado de mim, do meu gosto pela música e o quanto ela me faz falta para equilibrar e libertar emoções, boas e más, que muitas vezes insisto em reprimir. Que senti saudades de cantar a plenos pulmões, de ouvir música de olhos fechados e com os headphones nos ouvidos para sentir melhor cada nota e as emoções que me provocam. Senti saudades de me identificar com a letra das músicas, como se tivessem sido escritas para mim, como se me compreendessem. Senti saudades da cumplicidade que sinto com algumas músicas.
Com isto tudo percebi que muitos dos sentimentos que andei a reprimir (ou a não saber lidar com eles) poderiam ter ser libertados se eu tivesse voltado a ouvir música como fazia até há uns dois anos atrás. Realmente, a música é terapêutica. Não sei como é para as outras pessoas, mas para mim tem um efeito de catarse, de libertação, de revolta nas entranhas que me faz sentir mais leve. E eu estava tão esquecida disso, tão esquecida de mim.
Como cantaram (lá está!) os Indeep, "last night a DJ saved my life". Neste caso, foi um filme. 



terça-feira, outubro 30, 2018

Primeira viagem a solo (ou como conhecer-se a si mesmo em apenas 7 dias)

"You never know how strong you are until being strong is the only choice you have." A frase pode parecer "clichê" mas realmente uma pessoa só sabe o quanto é forte quando ser forte é a única escolha possível. É tão "clichê" que até comecei um dos textos publicados neste blogue com esta mesma frase.
Ultimamente esta "verdade absoluta" tem sido quase um mantra para mim, talvez porque tenho sido confrontada com a necessidade de escolher entre "ser forte", "ser forte" ou "ser forte". No meio da tormenta emocional que estão a ser estes quase 365 dias, esta frase começou a fazer ainda mais sentido. O sofrimento pode ser mesmo uma forma de nos conhecermos e de crescermos, de sairmos da nossa zona de conforto e de percebermos que somos capazes de muito mais do que julgamos.
Sempre achei que era um exagero a expressão "sofrer por amor" ou "coração partido"; não que nunca tivesse tido uma desilusão amorosa mas sempre consegui ultrapassar a coisa com relativa facilidade. Até agora. Agora compreendi o que é ter o "coração partido". O sofrimento por que passei fez-me mergulhar bem fundo dentro de mim, tinha que perceber porque estava a reagir de maneira tão dramática a uma situação que, infelizmente, não era nova para mim. Nesta viagem fui obrigada a confrontar-me com o meu lado-sombra. Nunca quis muito olhar para esse meu lado menos bom, embora sempre tenha tido noção que estava ali e que, mais cedo ou mais tarde, teria que me confrontar com ele. Fui resgatando partes de mim que estavam escondidas, que não eram nada bonitas, mas que fazem parte de quem eu sou. Foi preciso que eu me aceitasse totalmente para poder sair da espiral de sofrimento em que me encontrava. E o que fazer com essas partes de mim que eu sabia que eram minhas mas que eu não reconhecia? Tinha que aprender a viver com elas, tinha que as integrar no meu novo "eu".
Neste processo de descoberta pessoal, que foi (e está a ser) demorado e com muitos altos e baixos, surgiu a necessidade de enfrentar os meus (muitos) medos, de sair da minha zona de conforto. Era feia, mas eu conhecia-a. Era-me "desconfortável" mas familiar. Percebi que precisava de aprender a estar sozinha FORA da minha zona de conforto, dentro dela já tinha aprendido a estar.
E assim, de repente, resolvi fazer uma viagem sozinha e ficar alojada num hostel. Ia conseguir "matar" vários medos de uma cajadada só: medo de andar de avião, medo de ter uma crise de ansiedade sem ninguém conhecido por perto para me ajudar, medo de dormir num quarto com estranhos, medo de andar sozinha numa cidade onde ninguém me conhece.
Foi curioso como me senti logo empoderada só de pensar em fazê-lo. Marquei os voos e iniciei a busca pelo hostel. Este frenesim do planeamento da viagem quase me fez esquecer o meu coração partido mas, de vez em quando, lá vinham a saudade, a tristeza, a melancolia. Sentavam-se ao meu lado e ali ficavam, enquanto eu pesquisava freneticamente alojamentos e "free walking tours" na internet. Esperavam pacientemente que eu acabasse a minha pesquisa. E quando eu desligava o computador, elas abraçavam-me. E eu começava a duvidar que fosse capaz de fazer aquela viagem. Quis auto-sabotar este processo muitas vezes. Ficava cheia de dúvidas, os medos assaltavam-me novamente, "e se te acontece alguma coisa? e se precisas de ajuda? e se te sentes mal e tens que ir para um hospital?". Dizia para mim mesma que a viagem até tinha sido barata e que o hostel só era pago quando lá chegasse, por isso podia desistir a qualquer momento. Mas não desisti. Nunca saberia viver comigo se tivesse desistido. Eu sou assim, não desisto à primeira. E muitas vezes é isso que me traz dissabores.

Quando entrei no comboio na véspera da viagem ia cheia de medo. Mas não vacilei, não podia desistir, não quando já tinha chegado tão longe. Foi uma noite muito mal dormida, a ida para o aeroporto foi mesmo a "queimar" e quando vi a quantidade de gente que estava na fila para o controlo de segurança pensei "Não vou conseguir embarcar!". E nesse momento senti medo de ficar em terra. Senti medo de nunca mais conseguir sair da minha zona de conforto. Eu tinha que fazer aquela viagem, eu precisava de ir a Itália, era o último passo para o meu resgate enquanto pessoa. E quando passei o controlo de segurança e cheguei à porta de embarque respirei de alívio. Nunca pensei que fosse respirar de alívio por chegar a tempo de entrar num avião! Enquanto esperava na fila para embarcar, sozinha com a minha bagagem, no meio daquela gente toda que falava animadamente em italiano, não consegui parar de sorrir; eu ia mesmo fazer aquilo, ia mesmo viajar sozinha para um país onde não conhecia ninguém. Senti-me invencível. Quase como o Leonardo Di Caprio no "Titanic": "I'm the queen of the world!"
Quanto aterrei no aeroporto de Ciampino não senti um pingo de medo, solidão ou dúvida; sabia que tinha feito a coisa certa, que ia ser a melhor coisa que já tinha feito por mim. Estava oficialmente fora da minha zona de conforto. Entrei no autocarro para Roma cheia de confiança e atirei-me à cidade como se fosse minha. Adorei a experiência no hostel; embora não tenha feito amizades para a vida, falei com imensas pessoas interessantes.
Passeei pela cidade sozinha, fiz "tours" a pé e de bicicleta com outros turistas, comi pizza, risotto e gelato, bebi cappucino no Caffé Sant'Eustachio e um Aperol Spritz ao fim da tarde. Fui ao Vaticano (mas não vi o Papa), ao Coliseu, subi ao colle Aventino e vi o pôr do sol sobre a cidade. Atirei uma moeda na Fontana di Trevi, dizem que quem o faz encontra o amor em Roma. Eu encontrei. O amor próprio. Descobri que sou uma excelente companhia e nunca mais vou deixar de ir a algum lado por não ter quem me acompanhe. Foi libertador, empoderador e a melhor experiência que já tive na minha vida. Voltei revigorada, de pazes feitas comigo, com todas as partes de mim integradas. Porque mesmo que não goste muito delas, fazem parte de quem eu sou.

sábado, abril 21, 2018

É preciso que nos perdoemos


Segundo a Wikipédia, “O perdão não é um ato. É um processo mental ou espiritual que tem por objetivo cessar o ressentimento tóxico (dentre eles, o principal é a raiva) contra outra pessoa ou contra si mesmo, decorrente de uma ofensa percebida, por diferenças, erros ou fracassos. Trata-se de uma habilidade que precisa de treino." 

Assim sendo, é preciso que treinemos a nossa capacidade de perdoar. É preciso que nos perdoemos com a mesma facilidade com que perdoamos aqueles que, de alguma forma, com ou sem intenção, com maior ou menor intensidade, nos magoaram. Só que perdoar a nós próprios é das coisas que mais treino requer, de entre de todas as modalidades do perdão. É doloroso, obriga-nos a olhar de frente para as nossas fraquezas, para as nossas feridas, para os nossos medos, para aquilo que fizemos menos bem; e no meio de todo este processo, faz-nos crescer imenso.
Por isso, é preciso que nos perdoemos. Não por termos amado alguém mas por não nos 
termos amado ao mesmo tempo. Não por termos acreditado que tudo ia correr bem mas por termos ignorado quando tudo começou a correr mal.
É preciso que nos perdoemos por termos permitido que nos tivessem magoado, por não nos termos defendido, por não termos gritado "Basta!", por termos calado a dor que nos estava a ser infligida - as pessoas não adivinham o que sentimos e o que pensamos.
É preciso que nos perdoemos por termos acreditado, pela culpa que sentimos pelo fracasso de algo que estava totalmente fora do nosso controlo.
É preciso que nos perdoemos por colocarmos nas mãos de outros o ónus de zelar pela nossa felicidade quando isso é uma responsabilidade inteiramente nossa. É preciso que nos perdoemos pelas (nossas) expectativas que colocámos no outro e que não lhe pertenciam. É preciso que nos perdoemos por não nos nutrirmos e não nos preocuparmos connosco tanto quanto nos preocupamos com o outro.
É preciso que nos perdoemos por não termos dado mais do que o que tínhamos, por termos desistido quando já não havia mais nada por que lutar.
É preciso que nos perdoemos por duvidarmos de nós, por sentirmos tudo por inteiro, por sermos apaixonados, por sermos resilientes.
É preciso que nos aceitemos tal como somos. É preciso que tenhamos orgulho de sentir e de amar intensamente, há quem não tenha esse privilégio. É preciso que sejamos capazes de sentir por nós mesmos esse amor intenso e apaixonado. Para que nunca duvidemos que fizemos o melhor que podíamos. Para que nunca duvidemos de nós.

domingo, abril 15, 2018

Palavras que nunca te direi

Se eu pudesse falar contigo, dir-te-ia que agora percebo que não vieste para ficar. Nunca ninguém vem para ficar, vem para ir ficando. Uns ficam uns dias, outros uns meses, outros o resto das suas vidas.
Dir-te-ia que agora sei que não estavas preparado para ter alguém que te amasse, que te desse colo, que te fizesse sentir inteiro. Não estavas preparado para voltar a confiar.
Dir-te-ia que agora entendo o que sentiste quando o teu coração se partiu em mil pedaços, quando te sentiste afogar em todas as lágrimas que choraste. Dir-te-ia que agora sei que te estavas a afundar lentamente e que, quando me arrastaste para o turbilhão de emoções e de desespero em que te encontravas, só estavas a tentar ficar à tona da água.
Dir-te-ia que todas as expectativas que eu criei foram alimentadas por ti. Dir-te-ia que despertar o amor no coração de alguém sem ter intenção de amar de volta não se faz, isso é um crime e isso eu não te consigo perdoar. Dir-te-ia que tentei não ser arrastada, que finquei os pés no chão, mas não consegui manter-me em terra firme. E agora sinto-me naufragar quando não tive culpa nenhuma da tua dor. Apanhei com os estilhaços todos e agora sou eu quem tem o coração partido em mil pedaços.
Dir-te-ia que percebi que me foste dando sinais, não posso dizer que fui apanhada de surpresa; mas quando não sabemos o que queremos, deixamos o outro confuso e o jogo do "hoje-quero-amanhã-não-quero" é cruel. E quando é assim, mais vale abrir o coração e dizer "não sei o que quero". Dir-te-ia também que não te perguntei mais cedo que tipo de relação tínhamos porque sentia que tinha que te dar tempo para sarares o teu coração, sentia que podia estar a afugentar um animal ferido e não te queria perder. Dir-te-ia que agora sei que fui tola em ter pensado tanto em ti e nada em mim; porque enquanto me preocupei com o que tu sentias negligenciei os meus próprios sentimentos e fui-me perdendo de mim.
Se eu pudesse falar contigo dir-te-ia que me arrependo todos os dias por não ter tido a coragem e o amor-próprio de te perguntar porque viste ver-me; dir-te-ia que deverias ter sido honesto contigo e comigo quando era óbvio que nada sentias e não foste capaz de o dizer. Dir-te-ia que me deixaste na incerteza, quando o que devias ter feito era ter desferido o golpe final naquele dia, presencialmente, e não semanas depois, à distância.
Dir-te-ia também que afastar alguém num dia e no dia seguinte voltar a puxá-lo para si e agir como nada se tivesse passado é cobardia. Dir-te-ia que a tua falta de coerência me despedaçou. Dir-te-ia que hoje me arrependo de ter insistido em trazer-te para a minha vida, que admito que aprendi muito mas eu estava tão bem na minha solitude e tu vieste abanar tudo.
Se eu pudesse falar contigo, dir-te-ia que compreendo perfeitamente que é difícil rejeitar alguém por quem se sente empatia mas não se sente amor; dir-te-ia que agora que tive que o fazer e que sei o que me custou, consigo sentir alguma compaixão pelo que possas ter sentido quando tomaste consciência que nada mais havia a fazer do que afastar-me completamente. Só não te perdoo teres ficado na tua zona de conforto a assistir à minha agonia sem teres sido capaz de agir para a dor ser menor. Bem sei que nós somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade mas não devemos ser responsáveis pela infelicidade dos outros.
Se eu pudesse falar contigo, dir-te-ia que falta que eu me perdoe. Que me perdoe por não ter desistido, por ter tido esperança, por ter continuado a luta quando já não havia nada por que lutar. 
Se eu pudesse falar contigo, dir-te-ia tudo isto. Mas não posso, porque na verdade não quero.

segunda-feira, agosto 11, 2014

Eu não quero morrer devagar



"Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não arrisca vestir uma cor nova e não fala com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o escuro ao invés do claro e os pingos nos "is" a um redemoinho de emoções, exactamente a que resgata o brilho nos olhos, o sorriso nos lábios e coração aos tropeços.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto, para ir atrás de um sonho.
Morre lentamente quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, ouvir conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte, ou da chuva incessante.
Morre lentamente quem destrói seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, nunca pergunta sobre um assunto que desconhece e nem responde quando lhe perguntam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade."

Pablo Neruda 


Não quero evitar paixões, não quero viver no escuro; quero (continuar a) sentir um redemoinho de emoções que me ponha um brilho nos olhos, um sorriso nos lábios, o coração aos saltos e as borboletas alvoraçadas na barriga.
Em tempos, virei a mesa no trabalho por estar infeliz, arrisquei o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, mas a hora (ainda) não era a certa.
Quero viajar (mais), quero ler (muito), quero ouvir música (sempre), quero rir de mim e para mim, todos os dias. Quero saber mais sobre coisas que não sei e que nunca vi, quero aprender com quem sabe porque nos livros não se aprende tudo. Quero partilhar o que aprendi e deixar um pouco de mim em quem comigo aprende. Quero evitar a morte em doses suaves, não quero esquecer que o esforço de estar vivo não se resume ao esforço de respirar; a vida é aquilo que fazemos dela e quanto menor é o esforço para a viver, menor é o retorno.



Eu não quero morrer devagar.  


quinta-feira, maio 15, 2014

A distância e o silêncio

Não te iludas com promessas que nunca te fizeram. Não te sintas desiludido com atitudes que nunca esperavas de pessoas que mal conheces. Não te sintas amargurado por (ainda) não teres encontrado a metade que te falta.
Recorda sempre a primeira vez que se viram, a primeira vez que se olharam nos olhos, a primeira vez que se tocaram.
Nunca te esqueças dos milhares de borboletas que esvoaçaram nas tuas entranhas quando percebeste o que sentias, das noites que não conseguiste dormir porque alguém te ocupava a mente, do sorriso parvo que te iluminou os dias sempre que a sua imagem surgiu na tua cabeça.
Não deixes que o silêncio e a distância apaguem a felicidade que sentes por saberes que esse alguém existe, e por saberes que esse alguém também sabe que tu existes.
Acredita que o teu conto de fadas vai acontecer, mesmo que não seja com esse alguém, mesmo que ainda não tenha começado, mesmo que tudo o que aconteceu até este momento não faça parte da história mas sim do prefácio.
Lembra-te sempre do sorriso e do olhar desse alguém, do calor que te espalharam no peito, do quanto te preencheram e te mudaram para melhor.
Enquanto fores capaz de fazer tudo isto continuarás a ser feliz, mesmo com a distância e o silêncio.