domingo, fevereiro 04, 2007

Como não podia deixar de ser... o aborto: sim ou não?


Quem é vivo sempre aparece, e eu ainda ando por aqui e, tcharam!, apareci. E como não podia deixar de ser, cá vou eu deitar mais uma acha para a fogueira, já bem acesa, do aborto.
No referendo de 1998, eu votei "Sim"; não me recordo exactamente qual era a questão que era colocada mas sei que o meu "sim" me colocou do lado dos pró-aborto. Este ano a coisa está um pouco balançada; quando me perguntam o que vou votar, eu não respondo "Sim!" com a convicção que respondi a essa mesma pergunta há 9 anos atrás. No entanto, a minha orientação de voto é a mesma de 98; passo a explicar (embora a isso não seja obrigada, mas é bom para mim, de modo a organizar um pouco os meus próprios argumentos). Eu não sou a favor do aborto a pedido, do género "ah e tal, não usámos preservativo, isso tira o prazer, e olha, engravidei, vai-se lá saber como nem porquê, e por isso hoje não dá para ir ao cinema porque vou ali fazer um aborto mas amanhã podemos combinar"; há que haver um pouco de consciência quando se fazem as coisas, não sou a favor, sou mesmo CONTRA que se utilize o aborto como método contraceptivo. Depois há a outra face da moeda: o casalinho até usa preservativo mas o dito método não é 100% eficaz e rebenta. A rapariga engravida, mas tem 15 anos, tem planos para o futuro e ter uma criança enquanto acaba o liceu não faz parte deles. Ora se tomam todas as precauções, não acho justo que a vida da rapariga (e também a do rapaz, se for um rapaz minimamente responsável) seja marcada por uma experiência negativa que é ser mãe à força, só porque não tem dinheiro para ir a uma clínica a Espanha ou porque não lho farão num hospital público, uma vez que não encaixa nos casos enumerados pela lei como sendo "elegíveis"(?!) de fazer aborto legal. E atenção, porque a experiência é negativa para a mãe e para a criança, porque é difícil uma rapariga com 15 anos ter maturidade para ser mãe. Algumas mentes mais puritanas dirão (e disseram-mo)" ah, mas para ter relações já tem maturidade!", eu respondo: o referendo é sobre o aborto, não é sobre com que idade se tem maturidade para ter relações sexuais; cada um sabe de si e não há uma idade para iniciar a vida sexual. O que importa é que quando se comece, se tenha toda a informação, se tenha a noção das consequências que advêm da falta de planeamento familiar. Neste caso, o casalinho tinha a informação e utilizou os métodos. Teve azar, deve pagar por isso pondo no Mundo uma criança que pode nunca vir a ser feliz, que se calhar será abandonada e acabará morta de fome, ou então explorada, violada ou presa? Eu acho que não. Mas atenção, isto não é obrigatório! Conheço vários casais que tiveram este "azar" mas que optaram por ter a criança, e não se arrependem. E acho muito bem, liberdade de escolha acima de tudo.
E acho que é por isso que eu vou votar "SIM", para que possa haver liberdade de escolha, para que não haja milhentas crianças abandonadas nas ruas ou em instituições onde não passam de mais uma boca para alimentar, à espera que alguma alma caridosa as adopte, e quando essa alma surge, estão cerca de 3 anos à espera que a nova família a venha buscar.
E depois temos os casos dos recém-nascidos que são abandonados dentro de sacos de plástico, deixados em jardins públicos ou atirados ao rio, com a probabilidade mínima de serem encontrados com vida. Isso não será uma forma de aborto?
Acho que fazer ou não um aborto vai da consciência de cada um; acho que não deve ser feito a pedido sem antes aconselhar a mulher/rapariga, tentar perceber as suas razões mas se essa for a decisão dela, ela deve poder tomá-la, sem se sujeitar a ter de o fazer num vão de escada qualquer, por uma pessoa que pode perceber tanto de medicina como eu de motores de automóveis.
Se o "Sim" ganhar, o aborto não vai ser obrigatório, os apoiantes do "Não" podem continuar a optar por não o fazer, mas ao menos as mulheres que optarem por fazê-lo vão ter alguma hipótese de o fazerem com o mínimo de condições. E desenganem-se aqueles que pensam que fazer um aborto é como ir arrancar um dente: custa mas tem que ser. Quando estava a estudar em Aveiro, numa das nossas famosas "Noites do lar" escolhemos como tema o aborto (penso que foi em 1996 ou 1997), só para chatear as freiras. O convidado dessa noite foi um padre que tinha um programa de rádio, penso que foi o Frei Bento Domingues, mas não tenho a certeza. Uma das minhas colegas perguntou qual era a posição dele em relação ao aborto. A resposta dele foi simples: ai de quem se referisse como uma criminosa a uma mulher que tenha feito um aborto. Dizia ele que tinha paroquianas que o tinha feito e que lhe tinham contado, em confissão. E, dizia ele, "não imaginam a dor e sofrimento que transpareciam dos olhos daquelas mulheres. Elas já são suficientemente castigadas, não precisam de mais.". Lindo!
Outra coisa, os apoiantes do "Não" dizem que, em Portugal, nenhuma mulher foi condenada por ter feito um aborto. Pois não, mas sentaram-se no banco dos réus. Foram julgadas. Foram levadas a tribunal. Infelizmente, já me sentei no banco dos réus (mas não sou uma criminosa!) e não é uma sensação agradável. Não fui julgada, foi "apenas" um debate instrutório, mas acreditem que não é nada agradável. Não acho justo que uma mulher que já sofre com toda a carga psicológica de quem fez um aborto, tenha que passar pela humilhação de se sentar no banco dos réus.
Mas atenção, digo não, completamente NÃO, ao aborto recorrente. Há mulheres que o fazem, como se fosse um método contraceptivo. Não é e é uma prática que pode levar à morte ou à infertilidade da mulher, por isso deve ser uma decisão tomada em consciência.
Por tudo isto, sinto que estou balançada mas como sou a favor da liberdade de escolha, acho que sabem qual será o meu voto.