domingo, julho 06, 2008

Há 15 anos atrás...


"Era uma vez uma menina. Uma menina normal, não daquelas que tocam piano, usam vestidinhos e trancinhas, e que fazem crochet à hora do chá. Essa menina tocava guitarra, vestia calças de ganga e sapatilhas, usava o cabelo comprido e solto, e à hora do chá lia livros de aventuras.

Essa menina estava apaixonada. Uma paixão normal, não daquelas em que se faziam serenatas, e em que era o homem que tomava a iniciativa, e em que se cora e se baixam os olhos que ele a olha, e em que não se diz o que se sente. Uma paixão em que é ela que toma a iniciativa, em que quando ele a olha, ela olha nos olhos dele, bem fundo, e em que ela diz o que sente.

Esse menino de quem ela gostava era uma menino normal. Não daqueles que toca violino, que quer um cavalo e uma limusine, e que faz companhia às senhoras enquanto elas bebem chá e comem bolinhos. Esse menino também tocava guitarra, também usava calças de ganga, queria uma mota e ao lanche bebe Coca-Cola e come uma tosta mista ou um bolo na companhia dos amigos e amigas.

Um dia, essa menina disse ao menino que amava tudo o que sentia. Disse por palavras, frases, gestos expressões, e não por carta em papel muito bonito e perfumado, escrita com uma pena de pato, ao luar, entre muitos suspiros.

O menino olhou-a nos olhos e disse que não a amava. Que apenas gostava dela como amiga mas que talvez um dia sentisse algo mais forte.

A menina gostou da franqueza com que ele disse o que sentia. E quando chegou a casa chorou. Chorou e libertou o coração do sofrimento que sentiu quando as palavras brotaram dos lábios dele como penas e atingiram o coração dela como facas e que a puseram a sangrar por dentro.

O menino gostava (gostava, não amava) de outra menina que também usava calças de ganga mas que tinha a mentalidade das meninas que fazem crochet à hora do chá.

Hoje, ele namora com essa menina e a outra menina está a sofrer, e o coração sangra, e está seco de tanto sangrar.

Outros meninos e meninas que são amigos do menino e da menina que o ama dizem à menina que vale a pena esperar, que ele sente algo pela menina que não quer sentir ou que não sabe que sente.

E neste momento, a menina que usa calças de ganga e sapatilhas, que usa cabelo comprido e solto, que toca guitarra e lê livros de aventuras à hora do chá sente-se tão fraca como as meninas que usam vestido, tranças e fazem crochet à hora do chá e que tocam piano para os amigos dos pais.

E o amor que a menina sente pelo menino é tão puro, tão forte que não vai ser destruído pela outra menina, pelo tempo ou pela distância.

E ainda agora, a menina que usa calças de ganga e sapatilhas e que tem longos cabelos encaracolados está à espera do amor que há-de vir a nascer no coração do menino que ela ama. E quando esse amor nascer, há-se ser tão forte, tão sólido, tão puro que nada nem ninguém (nem mesmo a outra menina das calças de ganga) o vai destruir... Porque o amor, tal como a esperança, não morre..."

??/??/1993