terça-feira, dezembro 31, 2013

2014




O último dia do ano é, por norma, um dia de reflexão. Pensa-se nos 365 dias anteriores, no que fizemos, no que podíamos ter feito, enfim, faz-se o balanço. Para mim, o ano de 2013 teve balanço positivo. Conheci pessoas que fizeram a diferença na minha vida, estreitei laços com outras que já conhecia, aprendi a aceitar-me e a aceitar os outros. Passei por situações pelas quais que nunca pensei que passaria e sobrevivi à tormenta, fortaleci laços familiares, perdi pessoas e encontrei pessoas. Conheci lugares novos e revisitei outros.
Não foi um ano fácil mas a adversidade serve para nos ajudar a crescer. Chorei, ri, sorri, amuei. Aprendi que o sofrimento suporta-se melhor se for partilhado. E aprendi que há tipos de sofrimento que não têm alívio possível.
Apesar de tudo, 2013 foi um bom ano. Principalmente porque sinto que se fecha um ciclo e que se vai iniciar outro; porque é o último dia deste ano e eu sinto esperança no ano que aí vem. Talvez por isso me sinta tão nostálgica.
2014 é um caderno em branco. Tudo pode acontecer. 

quarta-feira, outubro 30, 2013

Aquilo que não nos mata fortalece-nos

"You never know how strong you are untill being strong is the only choice you have". Um desconhecido escreveu esta frase. Eu adoptei-a como legenda das últimas semanas.
De facto, o ser humano tem uma capacidade de adaptação à adversidade que não pára de me surpreender. Eu não paro de me surpreender, cada dia que passa conheço uma nova pessoa que habita sob a minha pele. E cada dia que passa conheço outras pessoas que habitam sob outras peles que eu julgava conhecer.
Nunca tinha lidado com a probabilidade da morte "fora de tempo" (como se houvesse um tempo próprio para morrer...), apesar de ter perdido a minha mãe quando ainda era criança. Na altura foi como um filme em câmara lenta, algo que eu estava a viver mas que ao mesmo tempo via de fora, como se não fizesse parte dele, como se nada daquilo tivesse a ver comigo. Nas últimas três semanas tenho vivido dentro de um filme semelhante mas agora tenho noção que faço parte dele. E tenho vivido a situação como é normal, como a teria vivido há 25 anos atrás, se não fosse uma criança. Já me revoltei, já senti raiva e ira; já senti desespero, tristeza, abandono, já chorei rios, mares de lágrimas. Já aceitei que tenho que aceitar o que vier, seja o esperado ou o inesperado.
De há uns anos para cá tenho noção que as coisas más nunca são tão más como as imaginamos; são más mas a mente humana tem o condão se as fazer parecer piores do que são. Mais uma vez confirmou-se essa minha percepção. Nunca me imaginei numa sala de espera de uma Unidade de Cuidados Intensivos, mãos suadas, incapaz de me manter sentada, incapaz de entrar na enfermaria, ansiosamente à espera que alguém viesse lá de dentro para me trazer notícias, fossem elas quais fossem. Por muitos parâmetros bioquímicos e hematológicos, gasimetrias e pesquisas de microorganismos a que eu tenha acesso, nada iguala a presença junto da pessoa no que toca avaliar o real estado da mesma. Eu tinha acesso aos valores numéricos, não conseguia nem queria ter acesso à pessoa. Imaginar-me entrar numa sala com pessoas que apenas estão vivas porque estão ligadas a máquinas que respiram por elas, que filtram o sangue por elas, fazia-me confusão; na minha cabeça era um cenário dantesco, imaginava monitores cardíacos a apitarem, enfermeiros e médicos a correrem de um lado para o outro, empenhados em não deixar aquelas pessoas morrer, achei que não iria sobreviver a uma experiência daquelas e imaginava sempre que ia sofrer uma síncope e acabar numa daquelas camas, ao lado da pessoa que fosse visitar. Por isso, quando me vi no papel de visita numa UCI, refugiei-me na minha cobardia, apoiei-me na minha prima e deixei que ela fosse sozinha "para a guerra". E ela lá ia, entrava na sala de desinfecção, vestia a bata a verde, eu sempre a ver, a torcer as mãos, a desejar não ser tão cobarde e conseguir entrar também. Mas o meu instinto de sobrevivência era mais forte, e ficava sempre cá fora; olhava pelo vidro fosco de uma das portas por onde se vislumbrava o contorno de uma cama e imaginava que era ali que estava a minha tia. Ficava a ouvir os sons dos monitores cardíacos, aqueles apitos ritmados que não sabia bem o que queriam dizer. Quase que encostava o nariz ao vidro, como uma criança que espreita uma montra cheia de brinquedos, desejando que um deles seja a sua prenda de Natal. E passados uns minutos, que me pareciam horas, a minha prima saía com notícias, umas vezes melhores que outras.
Ninguém sabe bem o que sente ou de que se apercebe uma pessoa em estado crítico, mas o certo é que pareceu haver uma evolução positiva a partir do dia em que a minha tia se apercebeu que a minha prima estava ao pé dela; e a minha cobardia continuava a roer-me as entranhas, não consigo entrar, não quero entrar, mas se calhar se entrar posso ser mais uma pessoa a ajudar alguém que está a lutar pela vida a agarrar-se mais a ela. E uma semana depois da entrada da minha tia na UCI, expulsei a cobardia que havia em mim (com a ajuda preciosa da minha prima e do pessoal da Unidade) e também eu entrei na sala de desinfecção e vesti a bata verde. Percorri o corredor até à enfermaria encostada à parede, pernas pesadas, olhos cheios de lágrimas, a pensar que aquilo não era nada como na "Anatomia de Grey", mãos suadas e coração na boca. Fiquei ao longe, não conseguia aproximar-me da cama; a minha prima aproximou-se da cama com naturalidade, para ela já era uma rotina há uma semana e eu fiquei ao longe, sem saber o que fazer. Fui-me aproximando cautelosamente, enfermeiros e auxiliares ao meu lado até que consegui olhar. E não foi tão terrível como eu imaginei enquanto esperava do lado de lá da porta com vidro fosco. Foi duro, foi sofrido mas ver a expressão dela quando me viu compensou todo o mal estar que se apoderava de mim. A pessoa que estava ali, agarrada à vida por um ventilador e uma máquina de diálise não era uma pessoa qualquer, era alguém do meu sangue. E isso custa, custa muito. Mas o facto de estar ali junto a ela aliviou-me, matou o monstro da UCI na minha cabeça. Não ficou mais fácil, nunca é mais fácil, mas tornou-se menos difícil. Apesar dos dramas que ali se vivem, é um ambiente estranhamente calmo.
Agora a minha rotina também é essa, agora também entro na UCI com (alguma) naturalidade, o monstro foi derrotado e os benefícios compensam largamente os incómodos. A melhoria tem sido notória, seja pela evolução clínica natural seja pela âncora que lhe deitámos quando lhe tocámos e a fizemos sentir que havia alguém deste lado à espera dela. Houve percalços, há sempre percalços numa UCI, mas não pode é haver desistências. Mesmo quando as forças falham, há sempre uma recarga extra que vamos buscar não sei bem onde.
Chorei muito depois de algumas visitas, senti que não tinha mais força para lhe dar força, mas se ela se está a aguentar eu não o direito de desistir. E continuo a ir, mesmo quando tenho medo do que vou encontrar.
De facto, não sabemos quão forte somos até nos apercebermos que ter força é a nossa única alternativa. Todos os dias descubro mais um pouco de força dentro de mim. Todos os dias desespero um pouco e fortaleço um pouco. Todos os dias cresço mais um pouco. Todos os dias me surpreendo a mim própria. Todos os dias aprendo a viver um dia de cada vez, a ter paciência, a ter esperança.
Não há qualquer dúvida, aquilo que não nos mata fortalece-nos.


segunda-feira, junho 03, 2013

Finalmente a luz!

Inspirada pelo blogue de uma grande amiga que está muito longe fisicamente mas sempre perto do meu coração, e que já está na minha lista de blogues recomendados (http://deumepara-isto.blogspot.com/), resolvi vir até aqui dar o "ar da minha graça".
Sei que tenho estado afastada da escrita e que tenho deixado este meu cantinho ao abandono, tanto que está cheio de ervas daninhas, que prontamente irei mondar virtualmente. Passei uma fase de estagnação, de falta de criatividade; agora percebo que precisava desse afastamento, desta inércia, para me "encontrar de novo".
Talvez ainda precise de desenferrujar um pouco, que isto da escrita é um hábito que depressa se perde se não se cultiva, mas prometo que virei mais amiúde a este cantinho, de preferência sem lamentações deprimentes, porque disso está toda a gente farta.
É um novo começo.