quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Direito de matar ou direito de morrer...?


Hoje de manhã ouvi nas notícias que finalmente autorizaram a retirada da alimentação artificial que mantinha viva, embora em estado vegetativo (será que estava mesmo viva?) uma mulher de 38 anos, Eluana Englaro. Fiquei contente, sou uma defensora acérrima da eutanásia; acho cruel prolongar uma vida que não bem uma vida, é um estado, é apenas estar ali, é apenas ser observado sem poder observar, é não ser autónomo, é precisar de uma máquina para respirar, para comer. Isso para mim não é viver.
Na famosa Wikipédia, a eutanásia (do grego ευθανασία - ευ "bom", θάνατος "morte") é definida como "a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista.". Ou seja, acabar com um sofrimento que ninguém pode compreender, só mesmo quem está a passar por ele. Para mim, isso é um acto de misericórdia, não é um crime.
Claro que não é fácil tomar essa decisão. Quando o "enfermo" está consciente, a decisão é dele. Lembro-me da história de Ramón Sampedro, um espanhol que ficou tetraplégico num acidente e esteve 30 anos deitado numa cama. O caso dele comoveu-me, quando via as reportagens dele a pedir encarecidamente que o matassem porque ele não tinha força sequer para se suicidar, inconscientemente punha-me no lugar dele e tentava imaginar o que seria estar presa a um corpo inerte. Lembro-me de ele dizer que era uma cabeça presa a um cadáver e que já não queria viver assim. Era um homem na posse das suas faculdades mentais (embora admita que pudesse haver ali um toque depressivo) que não era capaz sequer de levantar um braço, quanto mais suicidar-se. Até para se suicidar precisava de ajuda! Ainda hoje me lembro de ver no Telejornal o jornalista anunciar que finalmente Ramón Sampedro tinha morrido, uma morte horrível por envenenamento com cianeto de potássio; não mereceria este homem uma morte digna, sem sofrimento? Não mereceria este homem partir em paz, serenamente, depois de 30 anos de sofrimento diário sem fim à vista? Infelizmente, a lei é clara e não é possível, pelo menos em Espanha, por fim à vida de um tetraplégico que não tem qualquer hipótese de um dia voltar a ser autónomo, e que está numa angústia psicológica brutal porque tem plena consciência disso.
Agora põe-se a questão de o "enfermo" não ter consciência de nada. Estar em coma, em estado vegetativo, apenas subsiste porque existem máquinas que o alimentam, que respiram por ele. A família vê-se a braços com uma decisão difícil. Eu sei, eu já passei por isso. Mas apesar da carga psicológica, acreditem que não é assim tão complicado como uma pessoa pensa. Basta pensar um pouco nas consequências de manter viva uma pessoa que está "morta"; eu era uma criança, o meu pai explicou-me da melhor maneira que soube e eu compreendi. E não hesitei em responder que era melhor desligar a máquina; porque compreendi que estar vivo não é só ter o coração a bater e os pulmões a oxigenar o sangue. Estar vivo é estar em contacto com o que nos rodeia, é poder reagir a um abraço, a um beijo, a um sorriso. De que serve ter o coração a bater se não se pode abraçar quem se ama e senti-lo bater mais depressa?
Apesar de defender a eutanásia, há uma coisa no caso da Eluana que me deixa apreensiva: os médicos apenas lhe vão retirar a alimentação e a hidratação. Ela vai demorar quase duas semanas a morrer, e vai morrer de fome e de sede. Ora, para mim isto não é bem bem eutanásia. O anestesista que acompanha o caso diz que ela não vai sofrer porque não tem actividade cerebral mas o facto é que vai ser uma morte lenta. E para mim a eutanásia devia ser uma morte relativamente rápida.
Recordo um filme, "Dead Man Walking", em que um preso é condenado à morte por injecção letal. Isto não é eutanásia? Porque é que dão uma morte indolor e rápida a um criminoso que matou não sei quantas pessoas à machadada e não mostra um pingo de arrependimento, e a uma desgraçada que está em coma há mais de 15 anos porque teve um acidente de viação deixam-na morrer à fome? Hum, sentimentos contraditórios apoderam-se de mim. Já não sei se estou assim tão contente por terem autorizado a retirada da alimentação artificial a Eluana Englaro.
O que continuo a defender é o direito a viver uma vida digna e autónoma, e quando isso não é possível, ao menos que se tenha direito a morrer com dignidade.

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