terça-feira, fevereiro 22, 2011

Olhos e terras de cegos

imagem: proverbiospedra.blogspot.com
Numa época em que a banda sonora da minha geração é a música "Parva que sou" dos Deolinda (e independentemente de se gostar ou não da música, do grupo ou do estilo, a letra é a mais pura das verdades), o meu inconformismo vem novamente à tona.
Numa época em que é ver debandar jovens licenciados com grande potencial produtivo, em que há quem "dê o salto" daqui para fora, que o barco está quase a afundar, começo eu a pensar novamente na minha vida.
Numa época em que ter emprego é quase como ter olho em terra de cegos e em que ter uma casa é um luxo inalcançável para os jovens que iniciam agora a sua vida profissional, dou por mim a olhar para aquilo que tenho e a pensar "gosto daquilo que tenho mas não tenho aquilo que gostava de ter". O que é um problema grave, pois eu não sei muito bem o que quero. Sei que aquilo que tenho não é aquilo que quero. Não quero mais nem menos, quero diferente.
Vejo povos revoltados com os seus governos, vejo regimes totalitários caírem, vejo o mundo a mudar e tenho vontade de mudar também. Vontade essa que nunca me abandonou, apenas adormece de tempos a tempos. Vontade de fazer outras coisas, de ver outros sítios, outras gentes. Não apenas de passagem, mas viver esses sítios e essas pessoas por uns tempos. Talvez não para sempre, mas durante uns tempos.
Penso muito nisso, esse pensamento tem-me assaltado a mente, tanto que me faz acordar às 6h da manhã e não mais me deixa dormir, às voltas na minha cabeça. Porque quero muito mudar. Mas tenho medo... Claro que tenho medo, pois se tenho um olho em terra de cegos, como é que abdico desse "olho" em troca do incerto? Como é que numa época em que se vive de subsídios (quem os consegue), em que quem estudou durante anos acaba a trabalhar numa caixa de um hipermercado (quando consegue), em que quem quer o seu cantinho, o seu espaço tem que se sujeitar a juros elevadíssimos ou a arrendar um apartamento muitas vezes a cair de velho (quando os há), eu posso dizer que o meu "olho" não me basta?
Eu tento convencer-me que sou privilegiada, que tenho casa, saúde, emprego, nada me falta, tenho uma vida boa, e sei que tenho; mas quem é que cala esta voz de inconformismo dentro de mim? Quem é que sossega esta vontade de viver outras realidades, de seguir outros caminhos?  Eu não quero mais e mais e mais, não almejo ser milionária, nem ter uma casa com piscina. Não quero ter mais do que tenho, queria era ter algo diferente. E queria não ter medo.
Tenho tentado, sempre que aparece algo que me parece que eu gostasse de fazer, lá estou eu a tentar, a dizer timidamente "eu gostava de tentar"; mas quem depois me chama, com o meu currículo à frente, olha para mim como se eu fosse uma tolinha incapaz de dar valor à benesse que a vida me deu. E pergunta o que faço eu ali.
Isto desmoraliza uma pessoa, embora não me faça desistir. E eu continuo a tentar mudar e apanhar alguma coisa diferente, ao mesmo tempo que continuo a tentar convencer-me que tenho a vida ideal. Que tenho coisas que pessoas mais novas que eu se calhar nunca ou dificilmente irão ter, como casa própria e um emprego dito "estável". Mas não consigo calar a voz que, lá bem do fundo, me sussura que há algo mais para mim lá fora, fora desta terra de cegos onde eu, por ter olho, sou rei,

2 comentários:

Rosário Antunes disse...

Pois, minha cara rainha de um olho vidente e previdente, suspirante por um novo reino, com ou sem olho, mas certamente com a certeza de que 'conformismo' não é, nem de perto nem de longe, sinónimo de 'felicidade': faz-te à aventura. Por teres o que muitos nunca ou dificilmente terão, é que tens o direito (ou dever?) de lutar agora pela felicidade. A estabilidade (feliz, é certo) também te permite desvendar outros caminhos, outras possibilidades. A casa e o emprego estarão sempre esperando por ti (desde que possas pedir uma licença sabática, claro, que queremos espírito aventureiro, mas q.b., de loucos já o mundo anda cheio). Vais ficar a pensar toda a vida «e se?»; vais deixar que o medo (legítimo, obviamente) se transforme num bicho papão e te cegue esse olho que tantos ambicionam? Não, minha querida. Não me parece nada sensato. A vida tem mais para ti, tenho a certeza. Se não tivesse, tu não sentirias esse apelo tão forte, tão agudo, tão cortante. Parece-me injusto não lutares pelo teu sonho, pelas tuas potencialidades, por ti mesma. E mesmo sem sabática (que sugeri porque sei que é importante para ti – não o será para todos os ajuizados? – essa segurança, essa rede que te amparará em caso de algum infortúnio), outras formas encontrarás de pagar as contas ao fim dos mês (mesquinho objectivo de uma vida, mas enfim) e de ostentares, só para ti ou para toda a terra de cegos, um sorriso triunfante (repara: tudo tem um desígnio especial… Pra que foi o aparelhinho dentário? Pra poderes mostrar o sorriso da vitória quando estiveres a viver em pleno essa vida ‘diferente’ que tanto desejas e que te persegue com o mais sedutor piscar de olhos!!). Não?

Ursdens disse...

Recomenda-se "A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer" do senhor Stig Dagerman, muito pequenino, editado pela fenda e, penso eu, disponível, pelo menos por encomenda, em qualquer livraria de xópingue centére! Se, a seguir a essa leitura, não deres o tirito na cabeça, é só andar para a frente e cagar nisso tudo, porque não tem remédio minha cara!

Cumprimentos sinceros de um leitor acidental!