quinta-feira, dezembro 30, 2010

Retrospectivamente...

Olho para a coluna do lado esquerdo do blogue e apercebo-me que em 2010 escrevi menos de um terço dos posts de 2009. Claramente 2010 foi um ano pior em termos de escrita. Motivo? Passam-me vários pela cabeça mas não sei qual será o principal: preguiça, falta de inspiração, muito para dizer mas falta de organização de ideias. Não sei. O que sei é que escrevi muito menos que o ano passado. 2009 está em vantagem nesse campo.
Olho para trás, para 2010. Foi pior que 2009? Não posso dizer que tenha sido. Foi diferente, isso sem dúvida. Arranjei um cantinho para mim e habituei-me a estar sozinha; é preciso fazer esse exercício, nunca se sabe o que a vida nos reserva. Pelo sim pelo não há que estar preparado.
Trabalho? Tudo na mesma. Alguns projectos, que espero que dêem frutos em breve, mas "a bem dizer", tudo na mesma, como a lesma. Olhando para 2009, claramente um empate.
Amor? Como disse acima, há que aprender a estar sozinha. Não penso nisso. Não posso pensar nisso. Não quero pensar nisso. Consome-me e eu ainda sou muito nova para me consumir. (estranha contra-posição de ideias...) Neste campo, 2009 leva a melhor. Por uma unha negra, mas leva.
Viagens? Aqui sim, 2010 claramente em vantagem! Visitei Viena, uma cidade maravilhosa que adorei e que espero visitar novamente, desta vez com mais tempo. Regressei a Chamrousse, após 21 anos. Foi uma experiência memorável, há que dizê-lo, mas sem qualquer arrependimento. 2010 ganha em milhas aéreas. 
Festas? Claramente menos que em 2009. Os álbuns de fotografias com o sufixo "2010" são menos que com o sufixo "2009", talvez na mesma proporção que os posts neste blogue. Mas como se costuma dizer, "poucas mas boas".
Assim, feitas as contas temos: 2009 - 4; 2010 - 4. Resumindo, no geral 2010 não foi nem melhor nem pior que 2009.
Agora vem aí outro ano, e a "responsabilidade" de fazer dele um ano melhor que o anterior. Mas eu nem quero pensar nisso. Sinceramente, é mais do mesmo. Fazem-se milhentas listas de decisões e resoluções de Ano Novo: "vou deixar de fumar"; "vou fazer uma dieta a sério e perder aqueles 5 quilos que tenho a mais"; "vou ser mais empenhado no meu trabalho"; " vou ser uma pessoa melhor". Como dizem os ingleses, bullshit
A vida traz-nos surpresas, nem sempre agradáveis, que nós temos que "encaixar" na nossa vida. As melhores coisas acontecem sem que nós estejamos à espera, independentemente das resoluções que tomámos na "noite mágica" de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro. Talvez nos sintamos mais poderosos nessa noite, talvez pensemos que conseguimos dar a volta à nossa vida, talvez sejamos inundados de uma esperança avassaladora que nos faz sentir que dias melhores virão. 
Para mim, 2010 começou muito bem mas não foi um ano especialmente bom. Como vai terminar assim a modos que "periclitante" e, consequentemente, 2011 vai começar da mesma maneira (culpa do Barouk e das "maléficas" irmãs canadianas), tenho uma pequena esperança que este possa realmente ser um bom ano. Não que seja a noite de Passagem de Ano que vai ditar o rumo de 2011 mas vamos acreditar que possa influenciar. No meu caso, e retrospectivamente, em razão proporcionalmente inversa.
De qualquer maneira, que a esperança do Ano Novo nos inunde a todos e que 2011 seja (pelo menos) um pouco melhor que 2010.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Agora que tenho tempo livre (demais, diga-se de passagem) podia escrever mais. De facto já tentei iniciar três textos mas depois aquilo não me soa bem e amachuco a folha de papel, que é como quem diz, apago o rascunho.
A inércia é uma chatice porque traz mais inércia, e quanto menos faço menos me apetece fazer, embora eu deteste estar sem fazer nada. Isto é um pouco contraditório mas tendo em conta que já não saio de casa há quase uma semana, não apanho ar puro nem sol nem chuva, é normal que o meu raciocínio se encontre um pouco toldado.
Neste momento o meu pé esquerdo é o centro do meu mundo, e isso é triste. Tudo o que faço (ou melhor, que não faço) é em função do meu pé: levanto-me às 9h30m para tomar o antibiótico, porquê? Por causa do pé. Alguém me vem visitar, porquê? Por causa do pé. Apetecem-me pratos de que eu já não me lembrava, porquê? Por causa da "depressão" que o meu pé me inflige por não poder sair de casa. O meu pé é o meu mundo. Felizmente espero que não seja por muito tempo, tanto que o outro pé está a ficar ciumento e sobrecarregado; tem-me doído mais do que o habitual e tem razão, afinal está privado de sair e não tem culpa nenhuma. Também a vez dele chegará, temos que ser uns para os outros, e ele lá se vai aguentando.
Como estou fechada em casa não vivencio nenhum situação que mereça algum tipo de comentário ou reparo; o contacto com o mundo faço-o através de televisão, da net e de alguns amigos que vão aparecendo ou telefonando. No entanto, apetece-me escrever. Mas sem assunto é difícil. E com sono pior ainda. Vou dormir. Talvez amanhã corra melhor.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

De pé ao peito

E pronto, lá fui à faca. Não foi o drama que eu pensava que poderia ser, foi tudo muito calmo e controlado, o bloco operatório é apenas uma sala cheia de máquinas com um candeeiro que faz lembrar as colmeias.
Não gostei da anestesia geral, deu-me uma "moca" brutal que demorou horas a passar; pelos vistos a anestesia tem uma componente analgésica da famílias dos opiáceos e por isso estive quase 7 horas sem conseguir dizer nada de jeito, a saltitar entre o estado de vigília e um sono falso e desagradável. Se é isto a "moca" de heroína eu nunca me viciarei numa coisa dessas!
Agora passo os dias a saltar da cama para o sofá, do sofá para a cama, vejo televisão o dia todo (dou graças pela TV Cabo, havia de ser bonito gramar com as "Tardes da Júlia" o mês todo...) e dou uns passeios pela casa com as minhas novas amigas canadianas, a Sheila e a Nancy. São umas queridas, fazem-me companhia e apoiam-me imenso mas são pouco faladoras e também não comem nada de jeito. Feitios...

domingo, novembro 21, 2010

Sunday, bloody bastard sunday...

Os domingos deprimem-me. Sempre me deprimiram, já desde os primórdios da minha infância. Na altura marcavam o final de um ciclo interminável de dois dias em que não havia escola e em que era ramboiada de manhã à noite. Depois passaram a ser o dia de viagem de regresso a Aveiro, para mais uma semana de aulas numa cidade que eu odiava. Agora não marcam o dia que precede o início das aulas mas muitas vezes ainda é o dia de viagem de regresso mas desta vez a casa, o que é igualmente deprimente, principalmente depois de um fim de semana com os amigos. E continua a deprimir-me, mesmo que não tenha saído no fim de semana. Até no verão, quando estou de férias, é um dia deprimente; numa escala menor, mas ainda assim deprimente.
Lembro-me que, quando estive em Viena, passei lá um domingo e verifiquei que é exactamente igual ao domingo em Portugal. Andei a passear pela cidade e dei comigo a pensar "é tal e qual lá"; não se via viv'alma nas ruas, parece que aos domingos desce um manto de depressão sobre o Mundo.
Nos domingos não me apetece fazer nada, fico melancólica e talvez por não ter muito que fazer, os meus pensamentos viajam por sítios que não deviam e vão buscar coisas que deviam ficar sossegaditas, enterradas algures nas circunvalações cerebrais mais profundas. Talvez seja o poder hipnótico do fogo na lareira ou o calor que dela emana, o facto é que começo a divagar. E não gosto nada de divagar aos domingos, principalmente quando está a chover.
Houve uma altura em que aos domingos chorava sempre. Não me recordo bem porquê, mas sei que saía sozinha para tomar café, os meus amigos ou estavam em casa a ressacar ou tinham saído com os respectivos pares (nunca percebi muito bem porque é que aos domingos saíam sozinhos, podiam escolher outro dia da semana para estarem a sós ou até irem variando de dia da semana) e depois vagueava pelo Fundão, autêntica cidade-fantasma. Só se viam casalinhos a passear pelas ruas, a ver as montras, parecia o dia de S. Valentim. E aquilo enervava-me um bocado. Sentia-me mesmo sozinha.
Agora não, os tempos mudam, a idade também, e mesmo que estejam de ressaca, os amigos acabam por aparecer ao domingo, afinal as bebedeiras já não são tão fortes (o corpo já não aguenta tanto) e o café faz milagres quando estamos de ressaca. De qualquer maneira, os pensamentos continuam a vaguear, talvez porque o ritmo de domingo é um ritmo mais lento e modorrento.
Chego à conclusão que não gosto de estar sem fazer nada, o que me vai trazer muitos dias melancólicos nos próximos tempos. Se calhar é melhor não acender a lareira.

domingo, outubro 03, 2010

Ressabiamento com 18 anos

Hoje tem lugar o último concerto em Portugal da tour 360º dos U2. Quando puseram os bilhetes à venda no ano passado não consegui comprar nenhum; durante o ano fui ouvindo falar no concerto, nos bilhetes, gente ainda à procura deles. De quinta feira para ontem não pararam de chover mensagens de pessoas a querer vender bilhetes, muitas delas a quererem fazer negócio vendendo os ditos bilhetes, que em alguns casos custaram cerca de 70€, a preços bem acima dos 100€. Comecei a ficar assim a modos que enervada porque gostava de ir ver o espectáculo, mas não idolatro assim tanto os U2 e nunca daria por um bilhete para um concerto deles mais do que o preço real do bilhete (nem deles nem de nenhum outro grupo). E resignei-me a não ir, afinal até já vi um concerto deles e nessa altura eu ouvia muito U2, fazia mais sentido para mim (deixei de ouvir U2 há uns anos, agora só ouço mesmo o que passa na rádio). O pior foi quando me apercebi que havia gente a vender os bilhetes pelo preço real deles. Aí é que me enervei mesmo. Embora não conheça muito da discografia actual deles (como disse, só ouço o que passa na rádio) até gostava de ter ido, pelo espectáculo que caracteriza as actuações deles. Lembro-me que no concerto de 1997, no já extinto estádio de Alvalade, do palco fazia parte um gigante limão para onde toda a gente olhava (clara referência à musica "Lemon" do álbum que dava nome à tour daquele ano, a Pop Mart Tour 97), à espera de os ver sair de lá. Tirando isso tenho muito poucas recordações do concerto, para além da entrada no estádio (como sportinguista que era (sou?) e com 19 aninhos, foi uma emoção descer ao relvado do estádio do meu clube), do limão e de uma rapariga escolhida do público ir cantar com o Bono. Ah, e das grades contra as quais estava a ser brutalmente esmagada e que teria certamente atravessado, não fosse um senhor, já com os seus 30 e muitos anos (portanto, à data, um quase idoso para mim), ter feito de barreira para mim e para as pessoas que estavam comigo e que eu não consigo lembrar quem eram (éramos um grupo grande e acabámos por nos perder uns dos outros). O homem era um fanático, lembro-me que era forte e alto, tinha uma t-shirt branca dos U2 com as datas dos concertos de uma tour qualquer nas costas e berrava a plenos pulmões "Sunday, bloody sunday!" enquanto tentava saltar no meio daquele compactamento de pessoas que se empurrava contra as grades. Apesar de não ter grandes memórias do concerto em si, sei que gostei, tanto quanto uma miúda de 19 anos podia apreciar um concerto dos U2. Claro que apreciei muito mais o dia seguinte, quando fiz o meu piercing. Disso nunca mais me esqueci!
Tinha portanto 19 anos e um ressabiamento com 5 anos: o concerto de Guns´n´Roses em 1992, ao qual o meu pai, evidentemente, não me deixou ir. O concerto de U2 foi o meu primeiro grande concerto, mas devia ter sido o dos Guns, esses sim eu idolatrava: tinha as paredes do quarto forradas com posters deles, tinha uma pasta com recortes de notícias, fotos, tudo o que saía na imprensa sobre eles. Sabia as músicas todas, tinha todos os álbuns, pedia como prenda de Natal cassetes VHS com o concerto deles em Tóquio. Por um bilhete para um concerto deles eu teria (na altura) passado uma noite em claro, ao frio. Digamos que o concerto dos U2 foi um "prémio de consolação" que o meu pai me deu por não ter permitido que eu fosse ao dos Guns. Por isso me disse logo que sim e me comprou ele próprio o bilhete (na altura foi só ir ao Banco Português do Atlântico e comprar; simples); por isso e por já ter 19 anos e estar na universidade.
Agora passa-se o inverso: vou ver Guns como prémio de consolação por não ter ido ver U2, desta vez não por o meu pai não me deixar ir, mas por não ter conseguido comprar o bilhete, seja por não ter conseguido arranjar um há um ano atrás, seja por não ter vil metal disponível para o comprar agora. Apesar de estar entusiasmada (há 18 anos estaria histérica, delirante, em êxtase) não deixo de estar um pouco apreensiva pois não sei o que vou encontrar; quer dizer, até sei: um Axl Rose com 45 anos, sem os calções brancos, mas diz quem já os viu nesta digressão que continua a ser o Axl Rose. Até dizem mais, "ele está mais velho e ainda bem porque nós também!", grande verdade. De qualquer maneira, até me posso arrepender mas como diz uma amiga minha, "arrepende-te do que fizeste e não do que não fizeste". Tenho um bilhete para o concerto dos Guns'n'Roses, com 18 anos de atraso, é certo, mas se não lhe der uso ainda me vou arrepender mais. E tendo sido os Guns A minha banda, A banda da minha adolescência, A banda que eu idolatrei durante uns anos, tenho que ir vê-los. Para que não fique nenhum ressabiamento por resolver. Menos um na lista, venha o próximo.

quarta-feira, setembro 29, 2010

"Um sopro no coração"

Andava eu a vasculhar gavetas em busca do meu boletim de vacinas quando dou de caras com uma folha retirada de uma revista, cuidadosamente guardada numa mica. 

"Andava eu pelos dezanove anos e acabara o primeiro ano da faculdade. Aquelas férias de natal foram uma farra constante porque então tinha muitos amigos e todo o tempo do mundo. Ganhara a carta de condução e o velho Wolseley dos meus avós. E eram festas e licores e "whiskies" e comezainas e todos os excessos que caracterizam os natais insulares. E precisamente na véspera do regresso ao exílio coimbrão, adoeci. Cólicas, náuseas, vómitos, febre, um mal-estar a abalar-me todo. Como em casa de ferreiro, espeto de pau, fui ao dr. Rui, o colega do meu pai que nos aturava. O senhor virou-me do avesso. E, para grande espanto, por mais que me queixasse da barriga, fixou-se no peito. Franziu a cara, enrugou a testa, apurou o ouvido, voltou a auscultar, mudou-me de posição, voltou a mudar, por fim sentou-se, pousou o estetoscópio e declarou solene: "Tens um sopro no coração!"
Borrei-me de medo. Não sabia o que aquilo era, nem me atrevia a perguntar. "Um sopro sistólico por provável lesão mitral", concluiu, mais preciso.
Foi o pânico. Porque nessa idade eu não sabia que, por detrás dos aparatosos palavrões médicos, escondem-se coisas simples; ou, então, são pompas, cortinas de fumo para mascarar o quão pouco sabemos da máquina humana. Porém, naquele momento, uma coisa aprendi: frente ao médico, paramentado de estetoscópio e bata branca, investido no poder do seu saber, nós, os pacientes (não seria melhor "sofredores"?) lemos mais na expressão do rosto e nos cuidados postos na observação do que propriamente nas palavras ditas. E, naquele susto, esqueci-me das cólicas intestinais. Desapareceram.
Ainda nessa manhã rumei ao cardiologista, outro velho conhecido, que me recebeu numa festa: "Ah, isso não tem importância." Seguiu-se o ritual do electrocardiograma, à época um aparelho enorme, cheio de fios. E ali estendido, todos ligado, só ventosas, eléctrodos e braçadeiras, lembrava-me do laboratório do dr. Frankenstein, das séries negras americanas. Voltou o terror. Porque, enquanto me vestia, vislumbrei no gabinete ao lado o dr. Semião, atento, descodificando aqueles metros de papel, com a ajuda de uma lente e de um poderosíssimo foco luminoso. "Estou arrumado", pensei. Mal sabia que o senhor disfarçava uma grave doença ocular, à beira da cegueira. E ao dia seguinte apanhei o barco de regresso, com o meu pai, cara de caso, à despedida, que nada daquilo era grave, mas que não me esquecesse de ir ao médico mal chegasse a Coimbra. 
Decidi-me pela sumidade da moda, um distinto professor com consultório nas Avenidas. Era um Príncipe todo cheio de nove horas. Matematicamente, às cinco da tarde, interrompia as consultas para o chá com torradas. O qual atravessava, imponente, a sala de espera, num belo serviço de prata. E um gabinete nos conformes, móveis de estilo, tudo torcidos e tremidos, onde naufraguei afundado num sofá baixinho frente à enorme secretária de pau santo, do alto da qual o Príncipe nos esmagava em olhar "plongé". Seco, confirmou o diagnóstico. Nem piei.
Mas passei os três meses seguintes com medo de o coração falhar, a ver o pulso, a tensão, o branco dos olhos, e julguei que morria ao descobrir umas manchas violáceas nas articulações dos dedos. E hesitava sobre a melhor estratégia de sobrevivência: se vigilância apurada com consulta ao catálogo das doenças, se ignorar a realidade. Tornei-me num hipocondríaco profissional. Mas é trágico ter-se 19 anos com um sopro no coração e pensar que nos resta pouco tempo. E comecei a sofrer de enxaquecas, náuseas, vómitos e a vista a desfocar e metido no quarto às escuras, invadido de profunda tristeza. Sofria. Com saudades da vida. Até que uma tarde, ao passar no largo da Portagem, esbarrei com uma placa. Dizia :"Cardiologista".
Não era príncipe nem amigo da família. Apenas um cordial desconhecido, sentado num vulgar gabinete, olhando naturalmente as pessoas. Ouviu-me. Percebeu a minha infelicidade. Resistiu à tentação de me dar pastilhas para os nervos (felizmente há 30 anos a farmacologia da alma não tinha o "marketing" que hoje lhe conhecemos). Perdeu meia hora desdramatizando o medo da doença. Paciente, incentivou todas as perguntas possíveis. Saí aliviado, a saber que poderia fazer tudo, excepto correr a maratona, praticar atletismo de competições e exercícios violentos. 
A medicina é uma arte. Acho que aprendi mais naquela tarde do que no resto dos meus anos de faculdade. A relação. Entender e vivenciar a angústia do outro. Alguém que está fragilizado perante o médico. Tenso. E que lê mais nos silêncios e omissões do que nos discursos e afirmações. É terrível estar-se investido nesse poder mágico de curar pessoas. Quanto ao sopro, foi bom. Livrou-me da tropa."

                                                                                                      crónica de Ricardo França Jardim
"Um sopro no coração" in revista Pública
27 de Julho de 1997

Reli esta crónica e situei-me no tempo: estava à espera dos resultados da minha segunda candidatura a Medicina. Acreditava que ia conseguir. Por isso chorei tanto quando soube que não entrei. Mas não desisti; no ano seguinte voltei a tentar. E a falhar. E agora, 12 anos passados, volto a ler esta crónica e a sentir-me como me senti em 1997: com esperança de conseguir ser a médica num vulgar gabinete. Há que saber desistir, mas acho que ainda não é agora. Ainda lá vou mais uma vez... Desta vez a última. Mas vou. 

sábado, setembro 25, 2010

Me liga, vai... ou talvez não!

Não gosto de falar ao telefone. É verdade, sou mulher e abomino falar ao telefone. Eu preciso de contacto visual; pela expressão de uma pessoa eu consigo perceber o rumo da conversa, coisa que é difícil perceber pelo telefone (embora com pessoas que já conheço muito bem consiga fazê-lo). Daí se percebe que falar com pessoas que não conheço ou que conheço não muito bem provoque em mim um certo desconforto. Se conheço a pe
Nssoa, a coisa torna-se mais fácil porque consigo visualizar a pessoa e até posicioná-la num determinado cenário, tipo sentada no sofá ou numa cadeira na sala. O tom de voz é-me familiar e por isso tenho perfeita noção se a conversa está a fluir bem ou se liguei em má hora, consigo perceber se me está a despachar porque até tem o jantar ao lume ou porque está a ver televisão e não apanha metade do conteúdo da conversa. Isso, de certo modo, deixa-me mais confortável, apesar de não existir o contacto visual. Se não conheço a pessoa, tento imaginar como ela é, construo uma imagem de quem está do outro lado da linha. O tom de voz é-me perfeitamente desconhecido mas como quando ligo para pessoas que não conheço é para tratar de alguma coisa, não me interessa se me está a despachar ou não; quero é tratar do meu assunto e pronto.
Agora quando a pessoa do outro lado do telefone é um misto de conhecido-desconhecido, a coisa piora um pouco. Primeiro, consigo visualizar a pessoa porque a conheço mas não a consigo situar num determinado local porque, ao mesmo tempo, a desconheço. Depois, não consigo perceber na voz se está contente por estar a falar comigo ou se liguei numa péssima hora, até porque pode estar a ser educada em estar a ouvir-me quando, na realidade, queria era mandar-me passear e desligar o telefone. E depois é o nervosismo de estar a falar com uma pessoa que conheço mais ou menos mas que não vejo e, por isso, não consigo avaliar o grau de interesse na conversa. Aí vem o ataque de insegurança e o nervosismo e o trocar as palavras todas e o falar depressa depressa, antes que a pessoa se canse de me ouvir e eu não consiga dizer tudo o que quero. Isso é desgastante para mim, e por isso detesto falar ao telefone, mesmo quando me apetece ouvir a voz de alguém que está longe. Faz-se o “sacrifício”, até porque ninguém me obriga a ligar, mas quando desligo fico com a sensação que fui trapalhona, que me atropelei no meio das palavras e sinto-me uma adolescente desajeitada. Apesar das 32 primaveras já vividas, no que toca a conversas telefónicas, continuo a ser uma adolescente tímida, embora reze a história que as adolescentes gostam de falar horas e horas ao telefone. 

domingo, setembro 05, 2010

Mais um Verão

Praia da Ribeira do Cavalo, Sesimbra
E "prontos", mais um Verão está prestes a passar. Setembro já chegou e as férias, cheias de praia e sol e areia e mar e amigos e gelados, já lá vão.
Foi um Verão preenchido, poucos foram os fins de semana que passei no Fundão; acho que o meu lema de vida  "carpe diem" vai ser transformado em "carpe diem, o que se leva da vida é o que se goza". Gozei a praia, os amigos, as noites quentes (e se foram quentes, este ano...), experimentei coisas novas e aventureiras, o que deu para ver que a minha relação com a adrenalina está mais pacífica.
Com o terminar do Verão e o aproximar do Outono, começo a ficar melancólica. O mês de Setembro sempre foi um pouco deprimente para mim; apesar de gostar da escola, era sempre uma altura de mudança de rotina e isso perturbava-me um pouco. Ainda hoje, quando chego a Setembro, e principalmente quando chove, tenho exactamente a mesma sensação que tinha quando era miúda e começava a preparar o material para a escola. Sinto-me melancólica e, por que não dizê-lo, até um pouco triste.
De qualquer maneira, e como para mim isto dos blogs é um pouco sazonal, cheira-me que vou começar a escrever mais. Estou de volta ao meu cantinho à "beira-net" plantado.

sábado, maio 01, 2010

"Linha orientadora" ou "capricho do destino"

Embora não seja fanática da teoria do destino, em que se defende que nascemos com o nosso percurso de vida traçado, tenho que me render às evidências e aceitar que quando o destino se orienta numa determinada direcção, é quase impossível mudá-lo.
Sempre acreditei que nascemos com uma linha orientadora traçada, mas que o destino somos nós que o fazemos; vamos sempre parar àquela linha mas o caminho que percorremos até lá chegar, somos nós que o traçamos. É como a história daquele senhor que vai à bruxa e esta lhe diz que vai morrer num acidente de avião; ao ouvir isto, o senhor evita o dito meio de transporte e durante anos consegue escapar ao trágico destino. Até ao dia em que cai um avião em cima da sua casa e o senhor morre. Moral da história: por mais voltas que demos, vamos sempre parar à linha orientadora.
Eu sempre quis ser médica. Lembro-me que, quando o hospital da Covilhã estava a ser construído, sempre que ia para Aveiro, e da estrada via o local das obras, dizia "Um dia ainda hei-de trabalhar ali...", semana após semana, durante 4 anos. E de facto aconteceu, não como médica, mas fui lá parar. A minha linha orientadora apontava para ali e eu lá fui parar.
O facto de não acreditar em coincidências também reforça a minha "rendição" ao poder fantástico do destino. Para algumas pessoas, destino e karma são a mesma coisa; eu considero que são duas "entidades" distintas, mas é apenas a minha interpretação. Talvez para mim o karma tenha uma conotação mais pesada, como um fardo que se traz de uma outra existência, uma penitência que tem que se cumprir por erros passados. Para mim o karma é sempre mau, embora saiba que não é assim; a mim soa-me sempre a coisa ruim. Já o destino parece uma coisa mais leve, o destino pode ser bom, embora nem sempre seja.
Às vezes fazemos tudo o que está ao nosso alcance para mudar o rumo das coisas; no entanto aparecem sempre empecilhos, pequenas pedras na engrenagem que nos impedem de atingir o nosso objectivo. Conseguimos retirar algumas dessas pedras, resolver alguns dos contratempos, mas eles continuam a aparecer como cogumelos. Nessa altura temos que nos render às evidências: não está no destino que determinado acontecimento tenha lugar. E apesar de acreditar que somos nós que traçamos o nosso destino, a linha orientadora está lá. E não vale a pena gastar energia para a tentar mudar, por mais voltas que dermos, vamos sempre, mas sempre, lá parar...

"Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho
se faz caminho ao andar

Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar..."

António Machado
poeta espanhol

quarta-feira, abril 14, 2010

Danke schön, Wien!

Os brasileiros têm uma fixação pela Europa. Basta ver uma ou duas novelas produzidas do lado de lá do Atlântico para nos apercebermos que, para eles, a Europa é um mundo cheio de coisas boas. É na Europa que existem as melhores lojas, a água Evian é um "must" para eles (eu já provei e acho que é uma bela porcaria, viva a nossa Luso, Vitalis ou Glaciar!) e estudar na Europa é uma mais-valia para o currículo de qualquer "brasuca".
Eu vivo na Europa (acho que Portugal AINDA pertence à Europa, embora por vezes não pareça) mas também sinto um fascínio por essa "outra" Europa que fica para lá de França, que era a fronteira da "minha" Europa.
Alguém escreveu ou disse, um dia, que quando viajamos, trazemos sempre connosco um pedaço dos sítios que visitámos, e que a nossa personalidade vai sendo construída com esses pedaços. Em suma, cada sítio que visitamos muda-nos um pouco. Estes dias passados em Viena mudaram-me, mas acho que foi mais que um pouco, foi mesmo muito. Não sei bem porquê; talvez porque me senti bem num país que não é o meu, numa língua que não é a minha. Talvez porque me senti adaptada a uma realidade que me é estranha. Talvez porque caminhei nas ruas e andei no metro e me diluí no meio daquela gente toda, sem sentir que era uma "estrangeira". Pode parecer estranho e infantil, mas senti-me invencível, orgulhosa de mim por conseguir viver como minha uma rotina que não é a minha; consegui sentir que fazia parte de uma cidade que não é minha. Consegui "fundir-me" com Viena. E gostei da sensação.
Andar naquelas ruas cheias de edifícios magníficos e imponentes, respirar aquele ar cheio de História, ir à ópera (que foi um momento tocante, a minha primeira ida à ópera foi em Viena!), ouvir o "Danúbio Azul" tocado na terra do seu compositor. Ouvir a minha música clássica preferida (Air Suite nº3, de Bach) tocada ali, a uns metros de mim foi arrepiante, não consegui conter as lágrimas; esta música traz-me à lembrança um dia específico da minha infância, um dia sem nada de especial mas em que eu me lembro de ouvir esta música na rádio, num anúncio a um banco, enquanto me vestia e a minha mãe me preparava o pequeno almoço. Realmente, o que se leva da vida é o que se goza.
Sinto-me diferente, não sei se para melhor, mas seguramente diferente. Perdi o medo de voar. Perdi o medo de estar "sozinha" numa terra estranha, perdi o medo de não saber desenrascar-me. (ah, esse hábito tão português do "desenrascanço" foi uma preciosa ajuda para mim!)
Estes dias em Viena fizeram-me crescer como pessoa. Este crescimento provoca alguma dor e desconforto, mas faz parte de qualquer tipo de crescimento, de termos a noção que estamos diferentes. Que, de alguma maneira, mudámos de pele. Agora tenho mais um pedacinho de outra cidade dentro de mim. E isso faz de mim uma pessoa diferente da que eu era há uma semana. E essa mudança faz-me ter noção que aquilo que eu quero nem sempre é aquilo que eu preciso, que aquilo que eu quero pode não ir de encontro às minhas expectativas, que aquilo que eu quero pode não ser o "conto de fadas" com que sonho. Por tudo isso, agradeço a essa cidade maravilhosa (que não é no Brasil mas sim na Europa) que, por algum motivo que eu não entendo, me fez crescer mais um pouco. Danke schön, Wien!

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Uma data que odeio...

Odeio o dia de S. Valentim. Enerva-me haver um dia em que existe a suposta obrigação de se demonstrar amor e carinho pela cara-metade, quando isso devia ser feito todos os dias. Enerva-me não poder ir jantar fora nesse dia porque não se consegue uma mesa no restaurante. Enervam-me os coraçõezinhos e os peluches e o cor-de-rosa todo que pinta esse dia. Enerva-me. Não quero com isto dizer que me enervam as manifestações de amor e carinho, enerva-me é o floreado todo em volta disso. Quando se gosta, gosta-se e demonstra-se com palavras e gestos; pessoalmente não aprecio manifestações de amor e carinho que envolvam ursinhos cor-de-rosa com folhinhos. Acho muito mais bonito e, por que não dizê-lo, romântico, jantar num bom restaurante; passar uma noite num belo hotel; telefonar à hora do costume, supostamente a quilómetros de distância, e depois de desligar o telefone bater à porta de casa. Mas isso pode e deve ser feito durante o ano inteiro, não só no dia de S. Valentim, que, como já disse, odeio.
No liceu era um dia (claro está!) enervante; de manhã, quando chegávamos, lá estava o belo do marco do correio cheio de corações, prontinho a receber as arrebatadas cartas de amor dos alunos, escritas em folhas cheias de corações, algumas perfumadas, metidas em envelopes com o nome do destinatário e a turma. Já não me lembro se era no fim da manhã ou da tarde, mas sei que numa aula qualquer o professor distribuía as cartas e para alguma pessoas era humilhante, pois não recebiam nenhuma. Nos intervalos comparavam-se cartas e tentava-se descobrir quem era o remetente; como boas cartas de amor, muitas não tinham assinatura.
Eu apenas recebi uma carta de amor no dia dos Namorados, e ainda por cima era a gozar. Talvez por isso eu não goste do dia de S. Valentim, se calhar é uma espécie de "trauma". No entanto, recebi algumas fora dessa data; e essas eram a sério.
Só passei um dia dos Namorados com namorado, e mesmo assim as coisas já não estavam bem, por isso posso dizer que nunca comemorei um dia de S. Valentim (já referi que odeio esse dia?) a preceito, o que não é de todo mau: nunca recebi os malfadados ursinhos de peluche cor-de-rosa nem as caixas de chocolates em forma de coração.
Claro que não acho mal que se comemore o dia de S. Valentim; isto tem alguma razão de ser, como o Natal ou o dia da Mulher. Parece que o imperador romano Cláudio II proibiu a realização de casamentos no seu reino com o objectivo de formar um grande e poderoso exército, pois acreditava que os jovens se não tivessem família, alistariam-se com maior facilidade. No entanto, um bispo romano, Valentim, continuou a celebrar casamentos (em segredo), mesmo com a proibição do imperador; este descobriu e Valentim foi preso e condenado à morte. Enquanto estava preso, muitos jovens enviavam flores e bilhetes dizendo que os jovens ainda acreditavam no amor. Valentim foi decapitado no dia 14 de Fevereiro de 270. Ou seja, o dia dos Namorados é a comemoração da morte do bispo Valentim... Hum, estou confusa.
Krakauer escreveu que "a felicidade só é real se é partilhada", o que me deixou a pensar; se duas pessoas viverem uma mesma situação de maneira diferente, se a felicidade sentida por uma das partes não for sentida pela outra, essa felicidade deixa de existir. Esfuma-se. Desaparece. A felicidade é sempre sentida de maneira diferente; para mim a felicidade está em pequenas coisas, pequenos momentos. Rir da mesma coisa; gostar da mesma música; o formigueiro na barriga quando as mãos se tocam; o enroscar dos pés; o sorriso ao acordar; o espreguiçar na cama. Pode não ser sentida da mesma maneira ou nas mesmas coisas, mas se não é sentida de todo deixa de fazer sentido. Talvez o dia de S. Valentim sirva para um casal reforçar essa partilha da felicidade. O que não faz com que eu passe a gostar mais desse dia. Não gosto. Ponto.

sábado, janeiro 16, 2010

Noutra pele

Apetece-me escrever, mas não consigo organizar ideias. Já comecei três textos mas chego a meio e perco-me. As ideias estão lá, o pior é organizá-las...
Ontem li um texto que um amigo meu escreveu; era um monólogo bastante longo, cheio de sentimentos não muito bons, mas cheio de sentimentos. Era um texto que eu poderia ter escrito. Não me identifiquei com a narradora (felizmente, apesar de tudo, não me posso queixar da minha vida) mas identifiquei-me com o texto. E verifico que me falta fluidez nas palavras. Sei o que quero escrever mas não o consigo fazer.
Tenho lido pouco, talvez por isso não consiga escrever como antes. A leitura facilita a escrita, sempre ouvi dizer.
Talvez se me pusesse noutra pele as palavras saíssem mais facilmente; na pele de um homem, em vez de uma mulher. Dizem que os homens são mais racionais, não se deixam levar tanto pelas emoções; isso poderia ajudar-me a organizar as ideias e talvez conseguisse, finalmente, construir um texto. Mas acho que não consigo pôr-me na pele de um homem, embora tenha alguma curiosidade em saber como eles vêem as coisas; como será ver o mundo sem nos deixarmos levar pelas emoções?
Isto enerva-me um pouco, sempre foi tão fácil para mim escrever. No liceu escrevia textos que deixavam os professores abismados; eram textos cheios de metáforas (como já disse uma vez, isto não é defeito, é feitio) e com muitos segundo sentidos, a interpretação dependia sempre de quem lia. Agora, ou pelo menos durante esta semana, tenho tido alguma dificuldade em conseguir escrever. Se, neste momento, estivesse numa aula de Português no liceu e me pedissem para escrever um texto, acho que iria ter uma avaliação negativa.
Tenho dois livros "na forja" para ir comprar: Pedro Paixão, "Do mal o menos"  e José Luís Peixoto; em relação a este último não sei que livro comprar. "Morreste-me" parece ser um bom livro mas não sei se consigo neste momento ler sobre a morte de um pai, invariavelmente irei colocar-me na pele do escritor (aí está!) e não quero fazê-lo, não agora, o tempo virá... Talvez compre "Cemitério de Pianos", parece-me mais pacífico.
Preciso de ler. Urgentemente. Algo me alimente o espírito, que me ajude a organizar-me por dentro, que me ajude a encontrar de novo o caminho para a escrita. Algo que me ponha noutra pele, numa pele mais organizada, numa pele que consiga escrever de uma forma natural. Algo que me ponha, de novo, na minha pele de "escritora inata".

Por ora, é o melhor que consigo fazer.